Manhã de novembro
Súbito, o estômago se queixa, ronca penoso, seco, batendo com os dois dedos direitos sobre o pulso esquerdo: atendo-o, já em Osasco, e entre o mastigar, aliviando-nos, vou pensando: será que a balzaca defenderia Tiradentes, livrando-o do cadafalso e tirando-o da história? A poetisa mataria a fome numa padaria sórdida? O alferes procuraria dar no pé se em 1789 existissem trens subterrâneos? Seria preciso a rainha louca decretar para que eu ficasse esquartejado caso traísse Rosa, minha pátria? (...)
Soa lá fora uma buzina -- típico sinal do mau-humor fin-de-siècle de infraternos homens, de uma era que já avança para o final, carcomida pela pseudo-liberdade neoliberal, com nada, nada de igualdade social (...)
Peço a conta: a caminho do caixa, sem julgamento, sumário, enforco a promotora ainda refletida na menina direita, meto o livro já fechado no picuá, pago tudo com dois níqueis de R$ 0,50 -- displicente, esqueço o troco (se fosse o cobiçado metal amarelo das Geraes matariam por ele, morreriam por ele) --, limpo os farelos da boca com o dorso da mão, desço a rua Primitiva Vianco em passos acelerados, metr(ô)ificado humano-coisificado e, já de volta à vaca-fria, tomo apenas o cuidado de bem abotoar o puído casaco que me faz parecer ter vindo do final dos setecentos, armadura para enfrentar o imprevisto inverno, os espíritos que me cercam e seguem, a garoenta e temporã manhã de novembro fria...
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