O louco do bairro
O louco do meu bairro costuma ser visto sentado numa privada deixada por um relapso qualquer da vizinhança na calçada de uma das esquinas. A bacia, para ele, é o trono, do qual despacha desanexando terras do reino que governa,
anistiando condenados à forca que usurparam riquezas do território, isentando pagamentos de impostos devidos à Coroa e decretando feriados para celebrar o casamento de cada uma das suas setecentenas de filhas. Educado, sempre que deixa o vaso, dá descarga -- afinal, quem é rei deve dar exemplo. Também gosta de percorrer a cidade dirigindo um ônibus que tem apenas o volante. Jamais trafega pela contramão, não avança sinal vermelho, sinaliza devidamente todas as manobras, espera os idosos descerem e ainda pára fora do ponto para passageiros embarcarem. Dia destes lançou moda ao desfilar com um tênis vermelho, de amarrar, no pé direito, outro azul, fechado, no esquerdo. Usava uma calça supostamente rota, amarrada à cintura com uma pedaço de corda verde, e uma camisa esporte estrategicamente rasgada, look mais casual, impossível. É quando chove que toma banho, para eliminar a sujeira que carrega e as moscas que o seguem, esfrega no corpo a lama vermelha das enxurradas -- para ele perfume sofisticadíssimo, francês. Nos dias ensolarados, gosta de virar pássaros, plana acima dos boeings, furando nuvens e mimetizando-se entre as faixas do arco-íris. Desde o começo da Primavera está convicto: transformou-se em bem-te-vi. E como, dizem, Deus protege os doidos, os bêbados e os inconseqüentes, para a namorada chocar os ovos da familia que em breve terá armou o ninho no topo de um transformador de alta voltagem...

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