
Tiozinho inventou de colecionar rótulos. De água mineral, de caixa de fósforos ou de grampos, de xampu ou de iogurte, de bebidas, de tudo. Pegou a mania depois de tomar a água mineral francesa Perrier, que comprara, num impulso, durante a esticada ao hipermercado sendo inaugurado no bairro. Na coleção mantinha marcas chapadas, como a das badaladas sopas norte-americanas que fizeram a cabeça do rei da pop-art Andy Warhol, ou da cerveja alemã entornada nos quatro cantos do planeta, cuja marca está associada a concertos de rock. Normal para quem, quando pivete, e, já adolescente, juntava tampinhas de garrafas, maços de cigarros vazios, brasões de clubes e de seleções de futebol -- com os quais montava imbatíveis times de botão e papava todos os campeonatos que disputava, outro passatempo para o qual tivera compulsão, e que fez dele o alvo das garotas do colégio, que tão bem representou num torneio interescolar. Feitos de madeira revestidos de fórmica, os retângulos que serviam de goleiros para as equipes, por sinal, pareciam mini-outdoors. Ostentavam logotipos de empresas aéreas, de montadoras de automóveis, de fábricas de materiais esportivos, de distribuidoras de combustível. Todos os toquinhos das mais de setenta agremiações que possuiu exibiam no «uniforme» as logomarcas de uma editora paulista e a do mais famoso refrigerante do globo. Colecionar rótulos parecia, portanto, apenas uma continuação destes impulsos, um traço de personalidade que vinha de longe. Aos poucos, o passatempo, dizem, teria virado obsessão. Passou a pregar rótulos por todos os cantos, reproduzindo-os das mais variadas formas. Colava-os nos vidros das janelas de casa, nos do carro, na “magrela”, onde dessem visibilidade. Não demorou muito estavam costurados nas roupas que vestia até para ir comprar pão e à missa (era probo e chegou a ser sondado para assumir o núcleo de catequese da paróquia, mas achou-se sem preparo suficiente e se recusou), sem falar nos ternos de cumprir a agenda social. Parentes, amigos, estranhando, tentavam alertá-lo para o suposto ridículo da situação. E lógico: ouvia piadas nas ruas, onde estivesse, por onde passasse. O boa alma, nem aí, fingia que não era com ele. Acabou sendo convidado para dar entrevistas, tornou-se tema para teses acadêmicas no Brasil e até no exterior – laudas e mais laudas sobre comportamento, sobre estética, sobre os efeitos da comunicação de massa, o escambau. Parolagens e filosofagens mil também. Redigiram até um best-seller recordista de vendas! Na noite em que levou o programa do Jô a quase estourar os marcadores de audiência, envergava paletó, camisa e sapatos italianos -- todos rotulados, obviamente, com destaque para a gravata, de seda, confeccionada sob encomenda, em cujas estampas via-se o rótulo de uma colônia pós-banho. Explicou com naturalidade ao apresentador as razões pelas quais adotara aquele hábito. No melhor estilo Adorno, como um dos luminares da Frankfurt, asseverou que as pessoas sempre devotam mais atenção aos objetos e às coisas, e dão mais valor a estes, sobretudo, se forem importados, do que ao próximo. Arrancando suspiros da platéia, argumentou, também, que o suposto valor do homem, sobretudo na «sociedade moderna de consumo», sempre é atribuído pelo carro com o qual circula, pela roupa ou sabonete que prefere, pelo saldo na conta bancária, pelo restaurante que freqüenta, quase nunca pelo caráter -- o que nos tornaria, na verdade, mera extensão das coisas e dos rótulos, objetos para os quais só faltaria um código de barras. Parecia chover no molhado teorizando como se fosse bamba no assunto e não fez revirar na cova apenas o alemão. De pé, chegou a declamar o famoso poema de Drummond, sim, aquele do eu-etiqueta. Para aumentar o espanto de todos, anunciou durante o talk-show: reformaria a casa, em breve, decorando-a como se esta fosse um supermercado. Olhos brilhando como quem já vê o que planeja, explicou que alguns dos móveis teriam jeitão de gôndolas, a cama viraria uma espécie de prateleira. Risos. Balançares de cabeça em sinal de reprovação. Reações que, no fundo, sentenciavam o que um rapaz terminou por gritar da assistência, tão estridente e zombeteiro que o Gordo, até então comedido, arreganhou-se e gargalhou como nunca: «Este ai é zoró, tem jeito não, pirou de vez, oh, pobre coitado! Com o perdão de todos, não quero fazer troça agora, mas, Jô, chame ai os comerciais!».
Tocou o projeto anunciado na telinha, indiferente às críticas, às provocações. Pela época da inauguração do imóvel (fato que a imprensa cobriu e divulgou como quem exibe um ET encontrado na Rússia, saiu até na Times), esposa e rebentos já tinham vazado, deixando-o na mão, falando sozinho, pé na bunda, sem dó, nem piedade. Morreu alguns anos mais tarde, de desgosto, sem que nenhum médico atestasse o menor sinal de insanidade nele. Até bater as botas recebeu atenção apenas de um dos filhos – o caçula, que dedicava ao pai total consideração, visitando-o e custeando-o sempre que podia. A contragosto, mas, convencidos pelo rebento que o guardara, os poucos familiares e ex-amigos que deram caras no mortório aceitaram sepultá-lo num caixão repleto de rót

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