sábado, 29 de dezembro de 2007

Barulho d´água (A mãe no meio)

A mãe no meio
Pelas vésperas do Natal, um rapaz, usando camiseta do Timão, depositava carta numa caixa dos Correios, à entrada de um movimentado shopping, quando de um gaiato que por lá passava veio, gratuitamente, a seguinte provocação: “Ai, mano, escreveu para o Papai Noel pedindo para que ele traga o Corinthians de volta à Primeira Divisão?” O corintiano não mexeu um lábio, mas o olhar com o qual fulminou o piadista disse tudo, o engraçadinho, que também se calou, deve ter virado o ano se penitenciando, pensando arrependido bem que mamãe poderia ter passado as festas sem essa, permanecido na santa paz sem ser assim rebaixada...

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Barulho d´água (A batida)

A batida
Um grande helicóptero pilotado por um policial, durante a madrugada da véspera de Natal, sobrevoou o conjunto habitacional, subindo e descendo, de quase do solo aos andares mais altos, entre os prédios, janela por janela. Carregava uma poderosa metralhadora giratória, mais um holofote capaz de iluminar, sozinho, o Maracanã. A aeronave metia medo pelo tamanho, parecia mais um transatlântico, mas como navios não flutuam no ar ao menos que sejam o Holandês Voador, talvez seja melhor compará-lo a um avião mais robusto, não um B´52, um Hércules, embora fosse mesmo um helicóptero, um monstruoso helicóptero. Dá para imaginar o ronco do motor, o ensurdecedor barulho que a tudo fazia tremer, terremoto que aliado ao ruflar das hélices, não deixou nem sequer uma árvore imóvel, sem quase ser arrancada com raiz e tudo? Ah, e aqueles trapos que os donos dos apartamentos costumam pendurar para secar junto aos parapeitos, sabe onde foram parar? Uma a uma, à medida que se aproximava delas, as janelas iam se abrindo, atendendo ao imperativo comando do piloto – dava para sentir o clima de terror no ar, ai de quem se fizesse de tonto, que não colocasse a cara a vista para ser identificada, os mais prudentes mãos cruzadas sobre a cabeça, braços ao alto, quando não em trajes menores, nus, alguns clamando por clemência. Era neste instante em que vinha o facho da poderosa lâmpada bem no meio da fuça. A claridade era tanta que cegava, mas paradoxalmente permitia ver crânios pintados por toda a fuselagem, tudo que havia a bordo e que o sujeito, de cenho franzido, olhos ameaçadores, sinistro, não era o Papai Noel vindo entregar um presentinho. O porte da metralhadora enregelava a espinha, pelos buracos no cilindro por onde cuspiria os projéteis , pelo calibre que sugeriam, olha que deveriam ser apenas menores que ogivas. Era minha vez de levar a geral. Apesar de temeroso, resoluto levantei a cortina atrás da qual até então eu espiava toda a “batida” apenas entreabrindo as persianas. Então, o gambé jogou a lâmpada e viu que ao meu lado estava meu guri, assustado, mas fascinado. Tamborilou sobre a arma como quem contava até dez, brincava mentalmente de “bem-me-quer, mal-me-quer”, como quem decidia uma dúvida e qual decisão tomar, mas alívio: tirou a mão do gatilho. Depois, apagou o farol e todas as luzes do helicóptero simultaneamente. Antes de sumir como se houvesse sido tragado por um buraco negro, a mim bateu continência. O profundo silêncio que se seguiu fez com que eu acordasse. A lua cheia, emoldurada na janela, sobre o telhado do vizinho, acariciava o sereno rosto da minha amada dormindo, a gatinha aos pés dela; inundando meus aposentos de amarelada e intensa claridade (dava para ver o pó no chão e os pernilongos dando rasantes), já começava o movimento de descida do firmamento para trás do morro...

Três ou mais linhas de prosa... e de poesia


O velho lago
mergulha a rã--
barulho d´água.

Este blog, cujo nome deriva do haicai de Matsuo Bashô, tem por objetivo a divulgação de crônicas e outros gêneros literários de minha autoria -- consulte também
http://www.poesiafeitaemcasa.blogspot.com e http://www.karumi.nafoto.net, outros trabalhos que assino. A cópia e reprodução dos elementos aqui contidos sem a devida autorização, por escrito, e sem estarem negociados direitos autorais e outras questões comerciais, sujeitarão o infrator a entendimentos com a lei.

Marcelino Lima



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