Cantinho para dois
Primeiro, ele descolou o sofá, deixado num terreno baldio. O móvel estava meio detonado, tinha alguns buracos e rasgos que punham à mostra o estofamento, mas aparentava ter pertencido a gentes de posses, ainda conservava um jeitão classudo, resquícios da nobreza de outrora, assim decidiu levá-lo para compor a sala, um cantinho ajardinado sob um viaduto. A falta do pé esquerdo da frente ficou resolvida escorando-a com um pedaço de pontalete. Alguns dias depois, deu com a televisão, abandonada na calçada. Julgou que andava com sorte e sorriu, enquanto limpava o suor do rosto, olhando ternamente para o cão. O aparelho, não mais que um trambolho, nem tinha feições de ser em cores, mas cabia direitinho nos planos que passara a matutar -- já tinha, inclusive, uma mesinha de centro, também meio capenga, que ao final da labuta posicionou defronte ao sofá. Pôs o televisor sobre ela. Novamente fitando o fiel amigo resmungou por não ter um controle remoto e disse que tudo se ajeitaria melhor quando achasse um rack ou uma estante, mas ainda assim o animal compreendeu, balançou o rabo em sinal de aprovação. O dono sentia-se feliz como há muito tempo não aparentava, intuía que o homem, enfim, arranjara o mote infalível para atrair e ter a companhia da mulher que há semanas paquerava, arrastava-o para andanças sem fim, lá, pelas outras bandas da cidade: assistir todas as noites à novela das oito, estrelada pelo galã cujo pôster ela tinha colado numa das laterais do carrinho de recolher quinquilharias, ferro velho e papelões...
Primeiro, ele descolou o sofá, deixado num terreno baldio. O móvel estava meio detonado, tinha alguns buracos e rasgos que punham à mostra o estofamento, mas aparentava ter pertencido a gentes de posses, ainda conservava um jeitão classudo, resquícios da nobreza de outrora, assim decidiu levá-lo para compor a sala, um cantinho ajardinado sob um viaduto. A falta do pé esquerdo da frente ficou resolvida escorando-a com um pedaço de pontalete. Alguns dias depois, deu com a televisão, abandonada na calçada. Julgou que andava com sorte e sorriu, enquanto limpava o suor do rosto, olhando ternamente para o cão. O aparelho, não mais que um trambolho, nem tinha feições de ser em cores, mas cabia direitinho nos planos que passara a matutar -- já tinha, inclusive, uma mesinha de centro, também meio capenga, que ao final da labuta posicionou defronte ao sofá. Pôs o televisor sobre ela. Novamente fitando o fiel amigo resmungou por não ter um controle remoto e disse que tudo se ajeitaria melhor quando achasse um rack ou uma estante, mas ainda assim o animal compreendeu, balançou o rabo em sinal de aprovação. O dono sentia-se feliz como há muito tempo não aparentava, intuía que o homem, enfim, arranjara o mote infalível para atrair e ter a companhia da mulher que há semanas paquerava, arrastava-o para andanças sem fim, lá, pelas outras bandas da cidade: assistir todas as noites à novela das oito, estrelada pelo galã cujo pôster ela tinha colado numa das laterais do carrinho de recolher quinquilharias, ferro velho e papelões...