quarta-feira, 27 de julho de 2011

Barulho d'água (Quando eu descobrir onde você mora)

Quando eu descobrir onde você mora

Quando eu já tiver descoberto teu endereço,
Mais do que me debruçar à tua janela
E te oferecer serenatas,
Sem avisá-la, vou chegar a tua casa e cuidar de teu jardim.
Caso você não tenha um, plantarei as flores que você mais gosta.
Vou também alimentar teus animais.
Caso você não os tenha,
Deixarei em tua varanda um tigre branco,
Soltarei borboletas e pássaros no quintal,
E encontrarás uma garça à beira do lago.
Caso você não tenha uma varanda, construirei,
e deixarei nela, já esticada, uma rede para teu descanso.
O lago também eu farei,
E o povoarei com carpas douradas.
Quando eu tiver descoberto onde fica tua casa,
Vou lubrificar a corrente, ajustar os freios e as marchas,
Para tua bicicleta ficar como nova.
Caso você não a tenha, deixarei uma junto ao muro
Com uma dica de roteiro para um passeio ao pôr-do-sol,
Ou em uma manhã de domingo em plena primavera.
Quando souber onde você mora,
Vou consertar goteiras que existirem em teu telhado,
E limparei a lareira, e se não houver lenha para queimar,
Vou buscar uma braçada da mais cheirosa nos arredores.
Trocarei as palhetas carcomidas das folhas da tua janela,
E também baterei teus tapetes para eles ficarem livres do pó.
Se houver livros fora da estante,

Irei recolocá-los nas prateleiras,
E se você não tiver uma,
Vou fingir que esqueci em tua mesa de centro
Alguns exemplares de poesias e de romances.
Prometo fazer tudo sem agir como um intruso,
Preservando a alma de teus cômodos e objetos.
Assim, vou arrumar apenas quadros que estiverem tortos,
E, em relação aos teus discos,
Vou ouvir apenas um: aquele que me sugerir
Tira-lá para dançar, ainda que eu gire sozinho
de um canto para outro da sala.
A menos que me surpreenda e me convide,
Não entrarei em teu quarto, mesmo se a porta estiver aberta...
Quando descobrir onde você mora, enfim,
Vou procurar os teus vizinhos mais imediatos
e propor para eles um lance que, espero, será irrecusável...






por Marcelino Lima, quarta, 27 de julho de 2011 às 14:26

Três ou mais linhas de prosa... e de poesia


O velho lago
mergulha a rã--
barulho d´água.

Este blog, cujo nome deriva do haicai de Matsuo Bashô, tem por objetivo a divulgação de crônicas e outros gêneros literários de minha autoria -- consulte também
http://www.poesiafeitaemcasa.blogspot.com e http://www.karumi.nafoto.net, outros trabalhos que assino. A cópia e reprodução dos elementos aqui contidos sem a devida autorização, por escrito, e sem estarem negociados direitos autorais e outras questões comerciais, sujeitarão o infrator a entendimentos com a lei.

Marcelino Lima



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