Surpresa
Não
demorou muito para o menino juntar-se ao famoso bruxinho e ao casal de parceiros
deste naquela manhã em que acordara determinado a vencer o medo e, com ajuda
dos três, a descobrir por que cargas d água havia tantos barulhos no quarto dos
pais. A porta sanfonada, às vezes, chacoalhava, aumentando o mistério e o pavor
que sentia. Na versão do pai tratava-se apenas da ação do vento, responsável
também pelos zumbidos que o piá ouvia e atribuía a um monstro dos mais
escabrosos – daqueles verdes e gosmentos, com diversos olhos e bocarras,
chifres a se perder a conta e outras características assombrosas. Esta
explicação já fora dada mais de trocentas vezes, mas não adiantava: o moleque
estava convencido de que os sons eram grunhidos de uma fera faminta, pronta a
devorar quem ousasse penetrar naquele covil. Ah, mas em poucos minutos poria
tudo à prova naquela heróica expedição, descobrindo com os próprios olhos quem
estava certo, pensava alto, enquanto o quarteto avançava. Depois de a garota
bradar um feitiço que fez abrir as enferrujadas trancas da porta, os quatro
penetraram na floresta proibida ignorando os avisos para não irem em frente, embora
tomando o cuidado de prosseguirem cobertos pela capa de invisibilidade em que
se transformara um dos lençóis da casa. Xerox, gato siamês cópia fiel da mãe,
reforçava o grupo segurando-se para não soltar um miado de pânico e aguentar as
pontas mesmo depois de levar um pisão daqueles. Passo a passo, no escuro, sob
ruídos de enregelar as espinhas, rumaram em direção à cama -- ou melhor, à
escura caverna de onde deveriam provir os roncos que pareciam ainda mais fortes
naquela manhã. Falando baixinho, combinaram só tirar a capa quando estivessem
frente a frente com o bicho, paralisando-o depois de lançarem direta e
simultaneamente os fachos das lanternas contra os olhos dele; um dos guris, o
de cabelos ruivos, ponderou que os tiros poderiam sair pelas culatras se o ogro
possuísse mais de quatro, observação que, como de costume, levou a sagaz
mocinha a intervir para tranquilizá-los após jurar conhecer outra palavra
mágica capaz de paralisar animais de quaisquer porte e natureza. Sentiram a
tremedeira aumentar, mas chegaram confiantes, enfim, ao objetivo. Era a hora de
agirem! Num gesto decidido, o menino removeu a capa! Quando descobriram que o
motivo de tanto medo resumia-se a um inofensivo e simpático dragão de brinquedo
(o mesmo que o filho vira à venda numa loja descolada e o qual a mãe prometera
comprar quando tivesse grana) todos caíram na gargalhada, principalmente depois
que o bichano cismou em cheirar o cuspidor de fogo e saiu com os bigodes
chamuscados. Exultante com o achado, mais do que depressa o menino colocou os
quatro bonecos numa sacola e saiu correndo do quarto para apresentar o novo
amigo à vovó. Ainda teve tempo de notar ao deixar o local que o vento, entrando
pela janela aberta, não só fazia a porta gemer, bem como enfurnava as cortinas,
deixando-as como se estivessem grávidas...