sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Barulho d´água (Alfajor)

Alfajor
É curioso, mas somente hoje percebi: ainda passo
todos os dias defronte à doceria,
porém há tempos não compro alfajor
para você. Será que caimos na rotina?


Igrejinha (Paisagem II)
Igrejinha cor de rosa
rara construçao já acabada
entre tantas casas de paredes nuas
tristemente cinzalaranjadas

Barulho d´água (Na mosca)

Na mosca
Ágil e leve, a aranha mirou o alvo sobre a barra de metal do porta-toalhas. Então, rápida e fulminante, por um fio invisível, atirou-se do teto e acertou... bem na mosca!

Barulho d´água (Desacertos de um...)

Crônica dos desacertos de um grande amor

Eu assobio o refrão “bola de meia, bola de gude”, ela reclama: quer ouvir a música e exige silêncio. Eu acelero e tento uma ultrapassagem, ela resmunga e fala: se quer morrer, traste, morra sozinho! Para que ela não perceba, arrisco de canto de olho dar uma espiadinha na gostosa que invade meu campo visual, lá, na calçada oposta. Ela, arisca, ui, belisca-me e, agitando os braços, imita o bater de asas de uma galinha. Ato contínuo, luz do farol no vermelho, eu tento uma carícia, busco beijá-la. Ela refuga, e alega: minha mão pesa e minha barba espeta, arrê!

Já em casa, ligo o chuveiro depois da novela das oito (que eu odeio, todas, mas acompanho por razões sociológicas), convido-a para um banho. Ela avisa: quer descansar “só um pouquinho” antes, e pega no sono. Então, após passar pomada no músculo do braço direito (é por causa do beliscão, viu?), busco consolo no futebol. Ai parece mágico: sempre na hora do gol ela acorda, e pede, choramingando, que eu coce as costas dela, emenda queixando-se de que estaria frio e cobra que eu a abrace (...)

Pequenos desacertos de um grande amor, feito como todos de algumas contradições e sutilezas, além da observação de cuidados cotidianos como não deixar copos sujos na pia, ou a bituca que fede no cinzeiro, ou os jornais espalhados pela sala, ou a toalha molhada no tapete do quarto -- pecadilhos que, saibam, eu jamais cometo. Ou...

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Barulho d´água (Alma agreste)

Alma agreste

E eu que possuo alma agreste

Seduzido por teu sorriso de menina, mulher,

De novo experimento as duvidas e os medos,

Todos os temores que eu já tive:

Tu me habitas, mas não estás comigo

E neste desvario posso sentir a tua maciez

A textura de tua tez aveludada

(“tuas mãos doces, plenas de carinho”)

O frescor de tua língua grossa

O aconchego do vale entre as tuas coxas!

Ai quem me dera me fosse possível ter aprisionado teu afeto,

Liberar outra vez teu húmus em meus poros –

Esta bendita chuva que jorra na medida exata

E descalcina a seara na qual ardo!

Barulho d´água (O grito)

O grito

O rosto desesperado e estampado no jornal

deixou um grito parado no ar,

dilacerado, cortante, dolorido,

esbofeteando nossa cotidiana covardia:

de jardim, o bairro não tem nada,

de Ângela, só nome.

Naquele lugar pior que Cali,

onde nem político vai,

o que mais se reivindica não é asfalto,

não é ônibus, nem pronto-socorro --

Embora tudo isto falte, prioridade é continuar vivo,

é não morrer de bala bem endereçada ou perdida mesmo,

de tédio ou de medo,

não ficar jogado na sarjeta como se fosse esgoto.

O Jardim Ângela não é carioca,

não está nos mapas do JN e dos investimentos sociais,

mas está no das estatísticas e no da vergonha,

não deve ter orgulho nenhum de pautar reportagens,

e muito menos por estar nesta poesia.

Barulho d´água (Tempo de manacás)

Tempo de manacás



Era época de manacás, de novidades, e na Rua Carmem, as flores enchiam os galhos. Também era bonito o espetáculo dos piscas-piscas iluminando a barroca, vistos lá longe, da janela. Parece-me que havia musica no ar, não tenho certeza. Em mim, tocavam as três etapas do Concerto Grosso Opus 3/8. O clima era de festa: era tempo de celebrar o nascimento de Jesus-menino, com a Estrela de Belém brilhando bem em cima de casa!



(Era mesmo tempo de fatos novos, pois lá estava a Lusa na final do Brasileiro, ora pois, pois...)



Como demorava a espera: o pouco que faltava parecia eterno, e, ansioso, eu revirava a mente em busca de cantigas de ninar: “Quando o sol banhar o dia/arvoredo sombrear...”



Hoje, na penumbra da sala, a luz dos automóveis transpassando pelas capelinhas nos toca quando ambos já estamos com os colarinhos molhados pela troca de calor – nosso primeiro gesto de cumplicidade, como um violino e seu arco; na ponta dos dedos, há a viscosidade dos teus dourados cabelos também suados: “Estrada de terra, beira de riacho...”



(Percebo: teus suspiros estão mais espaçados e serenos.)



Cumpri a missão, penso: você, agora, dorme, estou saciado, sinto minha vida correndo pela espinha, e, novamente, sinfonias, agora, também no ar: será o allegro moderato do Concerto a cinque de Albinoni, ou o presto do concerto in g maggiore per achi e cembalo, de Vivaldi?



Homenagem ao meu filho, Jorge Henrique, que em 21 de dezembro chegará aos 11 anos

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Barulho d´água (Horas mortas)

Horas mortas

Nas horas mortas em que tudo some, sinto-me consumido e nem mesmo me interessaria em colher flores se um jardim tivesse. Nestas horas mortas rezo para que minha Rosa me evite, pois um homem em mim não encontraria. Nas horas mórbidas desanimado mais pareço amante abandonado após pedir o divórcio, carro sem motor enferrujando no tempo, zumbi: amordaçado pela abulia, nem sequer tenho dó do cão que me olha esfomeado. Posso lembrar uma murcha embalagem de picolé vazia, jogada ao chão, desolada e ensimesmada. Ou uma ponta de cigarro amassada, sem marca e sem alma. Não sinto os nervos nos meus mortos momentos. Como um poema desconexo, sou, enfim, uma pátria pálida. Uma bandeira sem matizes e em andrajos, carnaval descolorado de tamborins emudecidos. E computador desconfigurado aos quais nem mesmo um par de maviosos azuis olhos é capaz de dar ritmo, ou reprogramar. Decretem morte às horas mortas: desexilem-me de mim!

Três ou mais linhas de prosa... e de poesia


O velho lago
mergulha a rã--
barulho d´água.

Este blog, cujo nome deriva do haicai de Matsuo Bashô, tem por objetivo a divulgação de crônicas e outros gêneros literários de minha autoria -- consulte também
http://www.poesiafeitaemcasa.blogspot.com e http://www.karumi.nafoto.net, outros trabalhos que assino. A cópia e reprodução dos elementos aqui contidos sem a devida autorização, por escrito, e sem estarem negociados direitos autorais e outras questões comerciais, sujeitarão o infrator a entendimentos com a lei.

Marcelino Lima



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