terça-feira, 25 de novembro de 2008

Barulho de água (Meu caro José Rocha)

Meu caro José Rocha
Meu caro José Rocha: se eu contasse para você que meu gato preto e branco toma água na torneira (que ele mesmo abre!), mija na privada, briga com a própria imagem no espelho, abre a porta da cozinha para a varanda pisando no trinco e apoiando-se no balcão de mármore ao lado do fogão, invade gavetas e armários para tirar um cochilo dentro delas, pega pássaros no ar saltando pelo menos 1 metro a partir do chão, e que para fazer jus ao pelame é corintiano, você acreditaria em mim? E se eu dissesse que já tive outro anterior ao Portuga (tente adivinhar o porquê do nome dele!), da mesma cor, portanto igualmente alvinegro, que adorava “Ana Karenina”, do Tolstoi? E uma fêmea cuja maior alegria era roubar o bife fritando da frigideira e depois ir tirar uma pestana no lavatório, você ainda assim me daria crédito?
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José Rocha é poeta, autor entre outros livros de "O verbo para quem sofre de verborragia" no qual também tem um poema que fala sobre as peripécias do gato dele, das mesmas cores do Portuga.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Barulho de água (Aforismo/Desaforo)

Aforismo

Não sou rico, apenas trabalho. Mas se fosse rico, também trabalharia.

Desaforo

Não trabalho, apenas sou rico. Há um monte de gente trabalhando por mim.
(Vale muito para os especuladores, a maioria, que estão “perdendo” dim-dim na atual crise financeira)

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Barulho de água (Frase descolada)

Frase descolada
Minha vingança pela "mãozinha" que o piloto alemão deu para o Lewis Hamilton
ganhar o Mundial de automobilismo e estragar nossa festa pelo Felipe Massa é esta
frase descolada, ideal para pára-brisa ou pára-choque
traseiros, vidros laterais ou lataria do carro:
"Não sou piloto da F1, mas ando mais que o Timo Glock!"
Outra versão, agora em relação ao carango que dirijo:
"Meu carro não é F1, mas rala o do Timo Glock!"
Pode copiar, galera! E espalhar! Mas me dê o crédito pois elas já estão registradas!
(A propósito, não acredito na teoria da conspiraçao. Mas se o Rubinho dirigia uma "carroça" e seria uma tartaruga nas pistas, o Glock seria o quê?)

domingo, 19 de outubro de 2008

Barulho d´água (Banquete)

Banquete

Salada de tomates entre verdes e maduros, durinhos, adocicados,
cortados em cubos, com cebola picada e vinagre na medida certa.
Tudo ainda fumegando, panelas tiradas há pouco do fogão:
Arroz bem soltinho, com alho, e feijão branco, só o meu sem paio.
Chuchu picado, refogado, com pitadas de pimenta do reino.
Peito de frango grelhado, com orégano, de leve.
(...)
Um pote de gelatina de pêssego.
Uma boca de pito com cafezinho, coado na hora,
xícara pequena de esmalte azulado, aquecendo os dedos e as mãos do frio lá fora.
Eu, ela, o filho, a sogra e uma amiga em torno da mesa,
os gatos ao redor, lambendo os beiços.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Barulho d água´(Brincadeira antiga)


Brincadeira antiga

Nuvem de primavera.
Com todo céu para si,
nada uma baleia.


Para relaxar um pouco após uma exaustiva semana de fechamento de mais uma edição do Página Zero, deitei-me na sexta-feira, 9, num banco sob uma mangueira que há na praça defronte ao prédio do jornal. Da minha sesta à sexta resultou o poema acima, além do que encerra este comentário. A foto é de celular, há outras em que a forma da nuvem assemelha-se mais ao cetáceo, mas para relembrar a brincadeira antiga de ver figuras nas nuvens (quem hoje em dia consegue uma pausa para resgatá-la e se dar a este desfrute, ainda mais sendo jornalista?) esta vale a pena... O outro poema é:


Sesta sob a mangueira.
Quando cessa o burburinho,
o canto do sábia.

domingo, 5 de outubro de 2008

Barulho d´água (Charles Chaplin)


Charles Chaplin


Voltei à escola da Vila Yolanda, em Osasco, onde estudei o primário e o ginasial, para votar, em 5 de outubro. Ao lado do portão de entrada encontrei este painel pintado na parede, com uma mensagem bem legal do Charles Chaplin que resolvi compartilhar com os leitores...

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Barulho de água (Vote...)


Vote (ou não) em ...


Com as eleições municipais chegando, já estou contando os dias que faltam para me ver livre dos carros de som nas ruas, sempre estridentes e com muitos decibéis acima do tolerável, até em noites de domingo, e, claro, do horário eleitoral gratuito, também. No entanto, mais do que uma infinidade de produções baratas que todos somos obrigados a engolir, o período pode trazer motivos para darmos boas gargalhadas, seja com as formas de apresentações (slogans, jingles, vídeos, fotos e outras peças de marketing) quanto com as propostas da maioria. Como o tempo de cada um é muito exíguo devido à enxurrada de candidaturas e mal dá para falar o próprio nome, no caso de quem quer ser vereador, o limite entre a “sacada” e o ridículo é estreito. Há casos verdadeiramente tolos, cômicos ao extremo, um dó só. Por respeito e temendo ferir a legislação não vou mencionar nenhum caso atual daqueles que registrei -- um bom exemplo, já da campanha anterior, para cargos como o de deputado estadual e federal, é o do sujeito que surgia na telinha montado... em um avestruz! Desta forma resolvi divertir-me um pouco com a situação, inventando nomes e slogans, abaixo relacionados. Mas há uma exceção: quando bolei a frase abaixo me inspirei apenas no Natal a caminho, pensava em um candidato folclórico para minha galeria fictícia. Mas em Osasco... não é que há mesmo um candidato que se apresenta como “Papai Noel”?


Chega de palhaçada na política. Eleja a seriedade votando em Guto Arrelia.
Para começar a escrever uma nova história na cidade apague tudo e vote em Professor Álvares Cabral.
Para não errar na escolha, digite 74171 e aperte “Confirme” quando aparecer a foto do Walter Certinho.
Tião Padeiro: este põe a mão na massa e não enrola!
Se você quer evitar enganos nos próximos 4 anos, Tugen Godo é o cara!
Cansado de 0x0 na política? Com o Artilheiro na área, a vitória será sua!
A hora da renovação se aproxima, aposente os velhos políticos: Matusalém, 99999.
Chega de eleger caras de pau! Agora é a vez de Carlos Jequitibá.
Maria Amélia: a vez e a voz das mulheres na Câmara!
Quer um futuro melhor de presente para você? Papai Noel vereador!
Pastor Tavares: Não confie em milagres, mas tenha fé neste moço!
Não entre pelo cano! Para suas esperanças não irem para o ralo, Maurício Encanador respeitará seu voto...

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Barulho de água (Provérbio italiano)


Provérbio italiano

"Quem faz o que gosta jamais trabalha na vida"
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Li este provérbio em uma loja de artigos artesanais em Monte Verde (Camanducaia/MG) e achei o máximo. Reproduzo-o aqui para conhecimento dos leitores...

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Barulho de água (Fio)

Fio
Fio intruso, ao se desatar da blusa, desce suave ao chão.
Na trajetória deste kata, ondulante, sulca trilhas no ar --
linhas tênues, ora abruptas, até cair tez de pimentão...
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N.A.: O poema acima, entre o momento em que o fio se desprendeu
e as reticências que encerraram a trajetória dele,
às 17h50 do dia 25 de agosto de 2008,
levou cerca de vinte anos para cair ao chão...

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Barulho de água (Tanka do céu estrelado)

Tanka do céu estrelado
Farelos de pão
Caídos no piso negro.
Quem ousaria varrer
Um céu estrelado
Ao limpar a cozinha?

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Barulho d´água ("Fui!")

"Fui!"*
Pardal encolhido
em dia de sol pleno.
O gato por perto...
Na hora do pulo sobre,
a ave atinou: asas!
*Este texto é um dos que estão postados em poesiafeitaemcasa.blogspot.com

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Barulho d´água (Cantinho para dois)

Cantinho para dois

Primeiro, ele descolou o sofá, deixado num terreno baldio. O móvel estava meio detonado, tinha alguns buracos e rasgos que punham à mostra o estofamento, mas aparentava ter pertencido a gentes de posses, ainda conservava um jeitão classudo, resquícios da nobreza de outrora, assim decidiu levá-lo para compor a sala, um cantinho ajardinado sob um viaduto. A falta do pé esquerdo da frente ficou resolvida escorando-a com um pedaço de pontalete. Alguns dias depois, deu com a televisão, abandonada na calçada. Julgou que andava com sorte e sorriu, enquanto limpava o suor do rosto, olhando ternamente para o cão. O aparelho, não mais que um trambolho, nem tinha feições de ser em cores, mas cabia direitinho nos planos que passara a matutar -- já tinha, inclusive, uma mesinha de centro, também meio capenga, que ao final da labuta posicionou defronte ao sofá. Pôs o televisor sobre ela. Novamente fitando o fiel amigo resmungou por não ter um controle remoto e disse que tudo se ajeitaria melhor quando achasse um rack ou uma estante, mas ainda assim o animal compreendeu, balançou o rabo em sinal de aprovação. O dono sentia-se feliz como há muito tempo não aparentava, intuía que o homem, enfim, arranjara o mote infalível para atrair e ter a companhia da mulher que há semanas paquerava, arrastava-o para andanças sem fim, lá, pelas outras bandas da cidade: assistir todas as noites à novela das oito, estrelada pelo galã cujo pôster ela tinha colado numa das laterais do carrinho de recolher quinquilharias, ferro velho e papelões...

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Barulho de água (Pintura)

Pintura

Um dos cães estava sentado, com o peito, branco, voltado para o sol que despontava desde lá da linha da serra e, ainda morno, cruzava o viaduto e inundava o passeio público de amarelo, já uma caixa d’água acima da linha das lajes do apinhamento de casas construídas à revelia, todas carentes de acabamento, à margem oposta da avenida pela qual se chega e se vai, melancólicos varais improvisados sobre as cabeças dos transeuntes. Outro cachorro ressonava, encolhido, se não preguiçoso. Parcecia desencorajado por um resto de frio a abrir os olhos. Começava o inverno. Entre eles, um velho, chapéu de palha, enrolava o primeiro cigarro de mais um dia
.

sábado, 24 de maio de 2008

Barulho d´água (Passatempo)


Passatempo

Gosto das cadeiras assim como elas estão, brancas, na verdade esbranquiçadas, quase amareladas, com uns descascados de bater uma nas outras; do relógio redondo, prateado na circunferência maior, preto, na menor. Amo os potes de vidro repletos de bolachas – Maria, Maizena, Leite, recheadas com chocolate – balas, bombons, doce de mocotó cor de rosa e branco. Ah, o cheiro de mexerica na sala, inundando todos os cômodos, aquele perfume que denuncia a gente quando invadimos o quintal do vizinho. Um passatempo é abrir os armários, as gavetas com tantos utensílios e quinquilharias: bolinha de borracha, lanterna sem pilhas, linhas e agulhas, batom, lixa de unha, focinho-de-porco, miniaturas do kinder ovo, pomada para assadura, óculos quebrados, guache, contas pagas, bumerangue, folhinha de santo, ramo bento, terço de Aparecida, receita de remédio, fotos em preto e branco, coleção de bule, de xícaras de esmalte, cadernos antigos (aquela pulseirinha que ela tanto procurava e julgava perdida ou furtada!) canetas sem tinta, dinheiro sem valor, pontas de lápis de cor, folhas de papel coloridas como esta, amarelo-ouro, na qual anoto usando esferográfica vermelha meros devaneios...

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Barulho d´água (Charge)

Charge
Depois do caso -- já exaustivamente divulgado -- da menina atirada pela janela, mais uma notícia abala São Paulo: Terremoto de 5,2 graus na escala Richter. O tremor atingiu ainda cidades de outros três estados e não foi causado por nenhum "show" de dupla brega neo-romântica ...

terça-feira, 15 de abril de 2008

Barulho d´água (Haicailinhas)

Haicailinhas
1)Bate a ventania -- /a sacolinha de plástico,/tal qual uma garça.
2)Cinco contra cinco,/chinelos servindo de traves. /E todos descalços.
3) Chuva passageira. /Sob o toldo do botequim, /o cavalo espera.
4) Entardecer. /Sombras reproduzem no muro/ as flores de manacá.
5) Ondas no lago/ -- Uma folha de eucalipto/ é a prancha do inseto.
6) Noite de saudades. /De tanto acariciá-la, /já desbota a foto.
7) Dentro do arco-íris, /entre as letras do teu nome, /há a oitava cor.
8) Caixote de morangos. /Enquanto não vem o ônibus, /um banco improvisado.
9) Extrato bancário. /Dobrado como balão chinês, /o saldo negativo.
10) Chuva repentina. /O motorista, gentil, /pára fora do ponto.
11)Nada a vista. /Até o prédio mais alto/ a neblina engole.
12) Vestido vermelho./A neblina não esconde/ a moça pelo caminho.
13) Um varal sem roupas,/duas dúzias de pregadores/três ou quatro estrelas...
14) A pele de Rosa, /ainda, na minha pele./Pousa uma abelha.
15) Cortina amarela. /Mesmo em dias de chuva, /tem sol na sala.
16) Pausa no trabalho. /Após a chuva da tardinha, /um arco-íris.
17) Cheiro de pipoca,/fila à saída do colégio. /A minha sem bacon.
18) Armazém de vila, /à venda quase de tudo. /Menos o canário.
19) Um dente-de-leão./O pára-quedas ascende/ao invés de cair.
20) Água na boca:/um caminhão repleto/da fruta que sorri.
21) Amor e romã. /Vem despindo as cascas/o melhor de ambos.
22) Ao final do dia, /o carro todo manchado --/Ah, joão-de-barro...
23) Produtos de limpeza -- /O arco-íris, em garrafas,/passeia de kombi.
24) Expostos ao sol/os caquis, de tão aquecidos,/queimam as retinas.
25) Mutuca das grandes/provoca banzé na sala/e ninguém vê o gol!
26) Um cavalo branco./De relance, o poente,/Baixa atrás do dorso.
27) Meio da viagem,/remota cidadezinha./A unha da lua.
28) Noite de São Pedro./Dezenas brilham sem parar,/uma pinga ao singrar...
29) Trilha do parque-- A casinha das saúvas/é o Monte Fuji.
30) Lentamente, o cão/que havia nas nuvens/vira algodão.
31) Outra vez aqui/e, agora, de novo--/Flores de hibisco.
32) Em um dos pés do jardim/as romãs, neste ano,/ vestiram-se de joaninhas.

quinta-feira, 27 de março de 2008

Barulho d´água (Diálogo no teatro)

Diálogo no teatro
Empolgada com o que estava assistindo, a Gérbera disse à amiga Bétula durante o intervalo para a mudança de cenários de um dos atos do famoso musical “Such things happen in the springtime”, referindo-se a um dos atores dançarinos:

-- Minha Nossa Senhora da Orquídea! Eu me despetalaria toda se tivesse a chance de fazer alguma coisa brotar entre eu e o Gerânio Miosótis, que pedaço de mal caminho, ui!
Da fileira de trás, uma das espectadoras, após ouvir a declaração, meteu o caule na conversa:
-- Olá, sou Gardênia, uma das prímulas do Gerânio. E acho que posso te dar uma forcinha neste sentido, queridinha! Basta você estar ao meu lado ao final do espetáculo que eu o apresentarei a você. Mas já vou te alertando: ele não é flor que se cheire, não vale uma colher da pior terra vegetal, vive cercado de Marias-sem-vergonhas. De corola enfeitiçada por ele, a Rosa brigou com o Cravo, a Margarida não vinga mais em nenhum jardim, a Begônia perdeu as cores e até a Sempre-Viva, secando-se de tantas saudades, tentou se atirar de um vaso colocado à janela do oitavo andar de um apartamento no Minhocão. Isto sem falar do que ele fez com a inocente da Cravina. Em suma, se é um amor perfeito que você busca, vá por mim, o melhor é prestar atenção no Girassol, ou mesmo no Narciso...

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Barulho d´água (2 de janeiro)

2 de Janeiro
Duas amigas conversam à espera do ônibus que as levaria para o trabalho:
-- Você reparou como este ano está passando rápido?
-- E não é, menina! Parece que foi ainda ontem que ele estava começando!
Era 2 de janeiro.
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Repartição pública

No trabalho, todo mundo já instalado, entra o retardatário, às 13h15 do dia 2 de janeiro:
-- E ai, pessoal, tudo bem, não vejo todo mundo aqui desde o ano passado! Alguém sentiu minha falta?
Alguém , fazendo muxoxo, comenta:
-- Tem jeito não, entra ano, sai ano, e este cara não muda, sempre folgado, e pior, se achando...
O figura resolve tirar o chefe:
-- Ai, hein chefe, está levando a sério os planos para o Ano Novo! Começou a dieta, até já perdeu uns quilinhos e, puxa! comprou uma belissíma gravata nova! É italiana?
O encarregado (que não enxugara um grama, e quanto ao acessório, usava o mesmo de séculos, já repetido a exaustão, um sebo só, e o pior, gravata listrada sobre camisa xadrez, e ainda por cima, sem manga):
-- A principal meta que estabeleci é pô-lo no olho da rua e pode escrever, não estamos longe disso, vou te fazer dançar logo, logo, otário!
Protegido pelo presidente da Câmara, o folgazão dá de ombros, e, virando-se para o gay da repartição, atiça:
-- E ai, bofe, para você todo dia é de comemorar entrada de "anos", né?
Dedo do meio da mão direita esticado em riste, os demais ao redor dobrados para baixo, a resposta do rapaz, impublicável, veio à queima roupa. Mas o provocador não viu nem a ouviu, já estava à caminho da copa, atrás de um cafezinho:
-- Nossa tia, que purgante é este! Será que até o ano que vem a senhora aprende a fazer um café bebível? Para começar, adere ao filtro de papel que já ajuda!
A copeira cruza os braços na altura dos peitos, brande no ar a colher de pau que usara para mexer o pó no coador, ameaça baixá-la na cabeça do babaca, mas limita-se a mandá-lo ir tomar... um expresso no bar da esquina, com muito chantily!
Já de volta à sala, pendura o paletó no encosto da cadeira, e, ao conferir o relógio, provoca o contínuo:
-- E ai, moleque, será que agora que 2008 tá bombando você vai parar de enrolar? Põe o game boy de lado e faz aquele relatório que o chefe vive te pedindo para ontem, por misericórdia!
O garoto não come embrulhado, e rebate, arisco:
-- Olhem todos, olhem quem fala! E por falar em enrolar, você não vai checar teus e-mails como faz todos os dias, álias o tempo todo? E olha, como a caixa-postal deve estar entupida e hoje tem só meio expediente, acho que você vai precisar de esticar o serão...
Gargalhada geral
-- É, espertinho, pode ser... Mas quem ri por último, ri melhor! Espera ai pela bela resposta que vou enviar para teu endereço. Mas farei isto só amanhã: tá na hora de eu vazar!
O chefe, saltando da cadeira, olhos esbugalhados:
-- Como assim, mas você acabou de entrar, e ainda nem ligou o micro, qual é, cara? Se você se mandar, desta vez carimbo "FALTA" na tua folha!
Em tom de falsa modéstia, o ameaçado explica-se:
-- Você tem razão, como sempre, superior! Mas é que meu gatinho estava internado! O senhor nem imagina: na ceia de Natal um osso de peru perfurou a tripinha dele, ele precisou de cirurgia, o veterinário só deu alta hoje, lamento, tenho de ir buscá-lo agora. Quanto à falta, proponho uma troca: desconta o período de hoje daquela licença-prêmio de três semanas que eu tenho para gozar...
Da mesa ao fundo, uma das mais antigas da sessão, efetiva, com direito até a plaquinha de patrimônio na testa, mas sempre na mesma função, comentou, rompendo o mutismo em que sempre vivia:
-- Ah, peraí, safadão, esta desculpa do bichano você já deu no ano anterior, anotei, quer ver, cadê, cadê, ah, olha aqui, ó, e o gato se chamava Portuga!
Balançando cabeça, ar vitorioso, já recolhendo o paletó do encosto da cadeira, ele retruca, pé já na porta de saída, o carimbo muqueado no bolso direito sem que o chefe notasse:
-- Você anota tudo errado mesmo, deste jeito jamais vai desencalhar deste carguinho de merda e conseguir a promoção com a qual tanto você tanto sonha, nem saindo com o cara ai (e aponta para o retrato do prefeito). Anta, esqueceu que eu nem vim aqui nos primeiros dias de expediente do ano passado? Foi quando meu cão estava se recuperando do ataque de apoplexia causado pelo rojões e bombas que estouraram à meia noite do dia 1º, precisei ficar cuidando dele uma semana, em casa, lembra-se?
E saiu em seguida, assoviando em tom calhorda.
Retomando seus papéis, todo mundo ficou em silêncio. E como ninguém disse mais nada, o trabalho, enfim, deslanchou.

Três ou mais linhas de prosa... e de poesia


O velho lago
mergulha a rã--
barulho d´água.

Este blog, cujo nome deriva do haicai de Matsuo Bashô, tem por objetivo a divulgação de crônicas e outros gêneros literários de minha autoria -- consulte também
http://www.poesiafeitaemcasa.blogspot.com e http://www.karumi.nafoto.net, outros trabalhos que assino. A cópia e reprodução dos elementos aqui contidos sem a devida autorização, por escrito, e sem estarem negociados direitos autorais e outras questões comerciais, sujeitarão o infrator a entendimentos com a lei.

Marcelino Lima



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