segunda-feira, 20 de julho de 2009

Barulho de água (Deixando Ipiabas)

Deixando Ipiabas
Desolado vilarejo perdido na serra, no caminho da estrada para as grandes cidades, ainda mais melancólico sob a garoa e a neblina que caem do morro na fria tarde de domingo. Um pacote esquecido no vazio ponto de ônibus. Quatro toscas cruzes de madeira na curva que o deixa para trás.

sábado, 9 de maio de 2009

Barulho de água (Timão 8x3)

Timão 8x3

Dia das mães –
O pôster do Corinthians
vende mais que flores.

“Trouxe 10 quadros e já vendi 8, tem só mais estes 2 ai, patrão. Flores foram só 3 vasos, mas amanhã o movimento deve melhorar e espero vender tudo o que sobrar hoje”. Foi isto o que me disse um vendedor ambulante na véspera do Dia das Mães, numa calçada perto de minha casa, em Carapicuíba. Entre os vasos de flores e outros artigos baratos para presentear as homenageadas do dia seguinte, pôsteres já emoldurados do alvinegro de Parque São Jorge alusivos ao título do Campeonato Paulista faturado no domingo anterior, contra o Santos. O vendedor explicou que não pensara em sugeri-los como presentes para as mães. “Queria apenas tirar algum proveito da 'febre' que o Corinthians causou ao ganhar do Santos porque sei que venderia tudo, mas me surpreendi com a procura e estou querendo sair atrás em bancas de jornal (para comprar mais exemplares) e tentar emoldurar mais para vender amanhã. Tem freguês pedindo pôster do Ronaldo também; alguns até falam que é para dar de presente para a mãe e levam o quadro ao invés de uma florzinha ou ‘diploma’”, emendou. “Mas a maioria compra mesmo é para ficar com ele, não leva para ninguém, não!”
O pôster, já emoldurado, custava R$ 30,00; chorando ele até fazia por R$ 25,00. Os vasos com violetas, prímulas, crisântemos e rosas, entre outras flores, a partir de R$ 5,00. O “diploma”, com mensagens do tipo “Mãe, você é a rainha do lar”, a partir de R$ 10,00, podia ser personalizado na hora, sem acréscimo. Pôster do Ronaldo ele não tinha. A propósito, torço pelo “Timão”, e minha mãe, idem. Mas não comprei nenhuma coisa, nem outra, nem para ela, nem para mim -- puxei o assunto à toa e dei a desculpa de que voltaria mais tarde com o dinheiro para comprar um daqueles quadros. “Mas se o senhor demorar, vai ficar sem; estes 2 logo vão sair, tem muita gente parando para perguntar e uma hora acaba levando”, disse, argumentando como todo bom vendedor faria. Não voltei -- a imagem que acompanha este quadro foi oferecida aos assinantes do meu provedor. Mas aposto que os quadros seguiriam goleando e duvido que mesmo no dia seguinte as flores conseguiriam “virar” o jogo mediante novo estoque de pôsteres...

Crédito da foto do pôster: Almeida Rocha/Folha Imagem

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Barulho d'água (Segredo)

Segredo

Uma carteira, estrategicamente deixada em um vão abaixo de um dos dormentes dos trilhos da linha oposta. Se os dois policiais que investigavam a ocorrência já a consideravam como suicídio sem precisar ouvir qualquer testemunha -- o que não havia, afinal, devido ao local ermo e deserto onde ocorreu o atropelamento --, a carteira ali reforçava a hipótese. E o bilhete deixado entre os documentos praticamente eliminava as eventuais dúvidas. Mais que isso, elucidava tudo.

“Lucinha:
Só lamento ter de revelar nosso segredo. Mas agora que não irei mais atrapalhá-las, espero que você e a Pamela reatem; que ela te faça mesmo feliz, jamais eu conseguiria! Perdoe-me por minhas fraquezas e meu desespero, não suportaria perdê-la, ainda mais assim. Sempre irei amá-la, onde eu estiver!”.

Ao invés de assinatura, no final do bilhete, três fileiras de quatro números cada e mais nada. Um dos tiras ao parceiro:

-- Além de corno de sapatão, o cara era generoso, Paulão! Mas vou quebrar o galho, ou melhor, neste caso, os galhos dele, e ninguém ficará sabendo por que ele fez esta besteira, exceto nós. E este vai ser nosso segredo, meu camarada!

Terminando o comentário, abriu a caderneta que trazia no bolso e anotou os algarismos. Em seguida, retirou da carteira alheia alguns cartões bancários. O resto dos documentos, jogou-os no mato, dispensando os trocados. Piscou para o colega, pegou um cigarro. Com a mesma chama que o acendeu utilizando um isqueiro no qual havia o brasão do Flamengo, fez o bilhete virar fumaça...

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Barulho de água (Canequinha)

Canequinha

Dia destes, folgado, sentei-me à varanda para ler um pouco e aproveitar o sol da manhã. Às tantas, veio Rosa com uma canequinha de café, recém coado. Sorvido o primeiro gole, pus por uns instantes a caneca no muro, ao alcance da mão. Uma distração ao tentar pegá-la e tunc, deixei-a ir ao chão! O pior não foi ter se esparramado o café trazido pela “patroa”: o estrago na canequinha, embora pequeno, foi o que me atazanou, fez-me lamentar um bocado. De esmalte azul, a canequinha fora de tia Miroca, exímia contadora de histórias da família, quando eu ainda usava calças curtas. Ora fábulas, lendas de todas as naturezas que os mais antigos transmitiram e ela postergava, ora terríveis e assustadoras sagas, ao luar no quintal, em torno da mesa da sala de visitas, à luz de lamparinas a óleo à cabeceira da cama, onde estivéssemos, sempre sorvendo um gole de café do bule que mantinha ao lado dela para alimentar a inesgotável narrativa, tia Miroca ia tecendo as tramas, arrancava-nos suspiros, gargalhadas, lágrimas, expressões de espanto, entre outras reações características.
Depois da morte dela, venci a peleja com irmãos e com primos (não sem arranhões ou sem desentendimentos), herdei a canequinha como objeto de estima. Há anos a carrego comigo para uma boca de pito ao trabalho, em momentos de devaneios e de descanso, até então, intacta. O inesperado tombo não retirará a aura de minha tia que a canequinha abriga, não apagará nada das memórias que permanecem nela armazenadas, imperecíveis. Mas, ai, por aquelas lascas (na verdade, que baitas feridas!) provocadas na boca e na asa da canequinha pela queda, fendas que expuseram o metal enegrecido por baixo da esmaltada tinta (e que, putz, agora tendem a enferrujar!), devem ter escapado reis, princesas e cavaleiros, corcéis brancos, dragões, fantasmas, boitatás, lobisomens, duendes, feiticeiras, mágicos, homenzinhos de pedra, o homem do saco, o trasgo que descia da montanha para beber o sangue dos bezerros, as estrelas de fogo, o esqueleto dançarino, a galinha enfeitiçada, os cães alados de três cabeças, os santos, os demônios, enfim, toda aquela legião de seres fantásticos com os quais tia Miroca enchia minha infância de sonhos, de medos e de fantasias...

sábado, 4 de abril de 2009

Barulho de água (É do ...)

É do Corinnnnnnnnnnnnnnnnnnthiannnnnnnnnnnnnnns!


Gosto de acompanhar os jogos do “Timão” sentado à varanda, sem o rádio. Quando sai gol adversário, aqui e acolá espocam dois ou três rojões pelo ar da barroca, tímidos, ouve-se umas maldições, há provocações, palavras impronunciáveis, de fazer corar. O gato, aos meus pés, nem abana o rabo, segue na dele. Ah, mano, mas você precisa ver o céu quando é o Corinthians quem balança as redes! À tarde, fica tudo esfumaçado, à noite, iluminado, lembra reveillón. É tanta barulheira, tanto urro que até assusta quem não sabe o que está se passando, quem está passando pode pensar em guerra. Olha, em meio à zueira do foguetório, acho que deve subir até pipoco, misturado a preces, a declarações de amor, sarro contra o vizinho provocador. E o bichano evapora, meu, só para o dia seguinte...

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Barulho d'água (Formiga)

Formiga

Uma poça de chuva. A formiga, por um instante, pára: não sabe como atravessar o oceano. Logo, entretanto, ela já o contorna. E sem largar a folha que leva às costas.

terça-feira, 31 de março de 2009

Barulho d´água (Sinatra no lixo!)

Sinatra no lixo!



Encontrei um dia destes, encostada em um monte de sacos de lixo, uma pilha de discos em vinil. Entre os “bolachões”, como ficaram conhecidos os antigos long-plays, da sigla LP, a maioria era de “babas” cujos nomes não serão citados aqui para não ferir gostos pessoais, mas havia também Frank Sinatra, Stevie Wonder, Beatles, John Lennon, Roberto Carlos, e outras raridades; eclética, a coleção deixada na calçada tinha trilhas de novelas, gospel, sertanejos, conjuntos infantis, sambas, black music, rock, MPB. Um tal Pedro grafou o nome com um garrancho quase infantil em muitas capas e no miolo dos discos, portanto pressuponho que fosse ele o dono dos volumes desprezados. Talvez ele tenha feito de propósito, uma boa alma, pôs os vinis lá para quem passasse escolher o que quisesse levar, mas o gesto me espantou: como alguém tem coragem de jogar fora verdadeiras relíquias? Nesta era na qual quase tudo é descartável, sei que a cultura vale ainda muito menos do que antes para a massa tupiniquim, mas neste caso, além de pô-la no lixo, nosso amigo pode ter perdido boa grana, pois poderia vender os discos, sobretudo às raridades, para sebos ou colecionadores. Já vi entulhando lixeiras e sendo levados por catadores de papel e de bagulhos monitores e teclados de computadores, mouses, televisores e outras bugigangas; sofás velhos bloqueiam passeios e entopem córregos por ai, mas LP no lixo é novidade para mim. Sem cerimônia, recolhi dois do Sinatra e um do Stevie Wonder, intactos, sem nenhum risquinho. O do cantor negro é um álbum duplo, gravado em 1982 pela lendária Motown, com encarte e tudo. Sinatra esta sorrindo e exibe os belos olhos azuis em um dos exemplares, o Greatest Hits (1973) da Reprise Records, que tem “Strangers in the night”. No outro, da Capitol Records, com arranjos e direção de Billy May, há um texto na contracapa que começa assim “Você notará que é com um ponto de exclamação e não com uma interrogação que está escrito o título deste LP”, logo após a frase “Você já decolou em ‘Come Fly with me’, e já aterrissou em ‘Come Dance With me’, mas mantenha seu cinto de segurança porque agora é hora de ‘Come Swing With Me!”. Não vejo a hora de digitalizá-los para ouvir. A propósito: será que nosso amigo Pedro ou algum leitor não teriam uma vitrola (serve um gramofone) para jogar no lixo? Se tiverem, é só me avisar ou largar na calçada de minha casa...

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Barulho d´água (Pega-pega)

Pega-pega

Um atrás do outro, cinco guris descem correndo rua Monte Alegre abaixo, uma das mais tranquilas que tem aqui no bairro onde moro, em Carapicuíba. Estava lendo um conto de "o menino da rosa”, um dos livros do escritor Tony Monti, sentado em uma cadeira de praia instalada na sacada de casa, após um calorento dia de fechamento do jornal. Ao levantar os olhos, vi a cena. Era quase dez da noite e pensei comigo o Jorginho deveria estar lá, brincando com eles; um dos piás (não pude vê-los bem daquela distância) pela voz aguda deveria ser o Paulo, um doce de moleque que sumiu daqui de casa depois que a Rosa cobrou dele o caderno para saber se estaria fazendo os deveres domésticos direitinho. (Esta Rosa não é a rosa, a mãe do Tony, que ele grafa assim mesmo, em caixa baixa; é a minha esposa). Jorge Henrique assistia tevê na sala. Perguntei se não queria sair comigo para a rua onde estava o quinteto irreverente, ele disse não, estava “de boa”. Fiquei pensando em conselhos dos experts em educação e de outras áreas correlatas que alertam pais para que não deixem os filhos muito tempo expostos à telinha, que é melhor para o crescimento da petizada brincadeiras ao ar livre, sobretudo se envolvem correria, atividade física na linguagem de hoje, aquelas teorias todas lá da PUC. Soprava uma aragem bem gostosa, insisti filhote vamos lá curtir um pouco a noite, tem um vento bom, eu fico lendo, sentado debaixo da luminária do poste, você entra na brincadeira com os amigos do Paulo. Ele, resoluto, não quero ir, não, valeu ai, pai. A carinha dele assistindo ao programa parecia a de quem tentava não ser capturado no pega-pega. Na mesma hora sentei-me ao lado dele e avisei aos seis: corram,eu agora serei o pegador...

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Barulho de água (Bolihnos de chvua)

Bolihnos de chvua
Era uma trade fria de otouno qunado reslovi assar bolo pela pirmiera vez. Segui a recieta ecsrita num velho cadreno, já com as págnias amaraledas e as antoaçeõs quase apadagas mistunrado os ingrideentes na quatindade e na odrem corertas. Tamébm preparei a forma como etsava rceomednado e deixei o fonro aquceendo enqunato batia a massa. Meu fihlo e o gato, ao passarem pela cozniha, estarnhraam eu ali, cohler de pau e demais apeterchos a potsos, com ares de Oliveir Anqueir, como se entnedesse do ricasdo, assando bolos feito quem compõe uma sanfinoa num etsalar de dedos. Os olhraes que me diirgiram expressvaam a dvúida de que teríamos algo de sabor agadrável, se ao menos cometsvíel, à mesa; mais do que isso, carergavam uma cetreza de que a expreiência seria um frcaasso. Exnotei-os para logne, que saíssem para o qiutnal carregando aquela uruucbaca. Não havreia possbiliidade de não dar certo, afinal, aquela recieta era dos tepmos de minha avó e não me lembro de ela ter fahlado uma única vez. É vedrade que à medida que o perparo foi assadno o ambinete não ficou com aquele pefrume caratcerítsico – eu já cotnava ver o graoto e o bichnao de volta à cozinha, esfegrando as mãos e lanbemdo os beiços, ridemidos daqeula forma de parga que espavalham nos ohlos. O melequo, entrteido com um stake, e o felino, voejadno atrás de uma brobelota prerefiram contuniar na deles e não me atenderam nem ao menos qaundo os chamei avisnado que o bolo já asasra. Não faz mal, pensei comigo, eu o comerei sozihno, logo após coar um café e fevrer uma xícrara de leite...
A bem da vedarde é que o bolo não ficou de todo ruim, se é que alguém conisdera matsigar algo parecido com borarcha normal. Praecia faltar acaçúr, o fnudo ficou meio queimidanho, mas se arpeciado devagar dava para engolir. Comecei a cottar pelas beiradas, achando que a prate do meio estaria mehlrozinha. O detsino do meu lanche, prorém, treminou msemo snedo a lata do lixo. A canimho do quintal, Jroginho e Protuga se entroelharam, deu para preceber o sorirsinho betsa que torcaram. Mas não me dei por vecnido. Nuevns escuras se fromavam no hozironte, virei a pángia do cadreno, jentui novos ingedrientes e anunciei para quem quesisse ouvir: vou peprarar bolihnos de chvua!

Três ou mais linhas de prosa... e de poesia


O velho lago
mergulha a rã--
barulho d´água.

Este blog, cujo nome deriva do haicai de Matsuo Bashô, tem por objetivo a divulgação de crônicas e outros gêneros literários de minha autoria -- consulte também
http://www.poesiafeitaemcasa.blogspot.com e http://www.karumi.nafoto.net, outros trabalhos que assino. A cópia e reprodução dos elementos aqui contidos sem a devida autorização, por escrito, e sem estarem negociados direitos autorais e outras questões comerciais, sujeitarão o infrator a entendimentos com a lei.

Marcelino Lima



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