quinta-feira, 7 de março de 2013

Barulho de água (Mão de bêbado...)


Mão de bêbado...

Depois de mais um dia abafado, a tarde refresca finda a pancada de chuva típica de verão. O sol volta entre nuvens e mais brando, uma suave brisa sopra, convites irrecusáveis para um rolê de bicicleta. Aceito a dica, saio a pedalar. Em determinado ponto do trajeto, cruzo com um boteco conhecido por, a qualquer hora, juntar em seu interior e no passeio ao redor tantos vira-latas largados bocejando ou a se coçarem, quanto homens embriagados. Um dos manguaças, sentado em uma cadeira encostada à parede, mergulhado nos braços de Morfeu. De tão trincado, neste sono olímpico o infeliz ronca e baba, não sente a mosca que excursiona pela cara inchada e avermelhada, tão pouco percebe a dona da birosca a pintar as unhas dele com esmalte verde. Os amigos de garrafa a incentivam, gargalham alto -- um dos cachorros até rosna assustado pela caçoada, entrementes o ébrio nem pisca: prossegue mais apagado que estrela cujo brilho acabou cortado por não ter pagado à concessionária a conta de luz. Chego a considerar como “sacanagem” a zoeira com o biriteiro, mas acabo rindo, também. E constato por qual motivo: acabara de descobrir o significado da expressão popular “mão de bêbado não tem dono”.
(Ainda durante o giro com a magrela observo: virou moda utilizar a palavra “combo” para tentar empurrar mercadorias ou serviços oferecidos à clientela em “pacotes”. Utilizar bandejas de isopor para servir milho verde cozido, devidamente desemsabugado pelo marreteiro, é outra mania que se vê em qualquer esquina. Alguns ambulantes, mais higiênicos, chegam ao requinte de usar luvas descartáveis...)

 

Tamanho não é documento

Em outro ponto do percurso feito sobre as duas rodas encontro matilha mais ativa de cães acompanhando uma donzela no cio. Destaca-se entre os totós um de porte pequeno, algo mais que um chihuahua cujo corpo não alcança a metade do comprimento das pernas da fêmea. Apesar da menor estatura, o animal marcha confiante, ignorando os olhares ferozes e os dentes expostos dos maiores. Isto sim é levar a sério o ditado “tamanho não é documento”, agir seguro como quem se julga a altura de um grande conquistador!
Dois haicais
 
Torre de alta tensão./Do lado de cá da cerca,/jardim de cosmos.
Restos de feira-livre --/Com a cabeça de um peixe,/um gato cruza a rua.

segunda-feira, 4 de março de 2013

Convicção (Barulho d'água)

Convicção

A cabeçada saiu como manda o figurino, de acordo com a cartilha do bom 9. Havia antevido aonde a bola chegaria, e, sem que o marcador percebe-se, disparou feito flecha, subiu com estilo. A ficha do arqueiro, estático, só caiu quando o estrondo grito ecoou das arquibancadas. Sempre concluía jogadas como aquelas com maestria, infalível. Ainda mais quando o centro provinha do pé de Nei Teixeira, o maior companheiro do atual time; não precisavam de nenhum sinal a mais do que uma troca de olhares que, combinados treino após treino, já sabiam de cor o que diziam. Depois, justiça seja feita: perto do alambrado pedia ao amigo a chuteira sobre o joelho direito, engraxava-a, gesto de reconhecimento, de humildade do rei devotado àquele que o assistia e o ajudava a alimentar a majestade, a fama, a súbita riqueza. Com mais aquele na conta, o terceiro no tradicional clássico, isolava-se ainda mais na artilharia da temporada: ninguém avistava no retrovisor há sete rodadas, a vantagem crescia domingo após domingo um, dois, três, quatro, agora, oito.
Ao fim da porfia, a gentil troca de camisas com o joão que em vão tentou contê-lo. Respeito a o adversário derrotado, aperto de mão, abraço cordial, votos de boa sorte em outra ocasião. Torcida em festa, de todos os setores do estádio o nome dele saia de milhares de bocas, em uníssono, mantra entoado pela totalidade dos fãs. Um bloco de repórteres à entrada do túnel, ávidos, câmeras, microfones, holofotes. (O craque soubera antes de a bela rolar: o técnico encarregado de convocar o grupo da seleção para a Copa do Mundo, na manhã seguinte, estava presente nas tribunas.) Chega até os jornalistas, respira, limpa mais uma vez o suor que escorria da testa. Sem pressa, simpático, vai explicando enquanto caminha rumo ao vestiário que a vitória é do grupo, todos seguiram as orientações do treinador, focaram no jogo, que prefere ser campeão a ganhar a “Bola de Ouro”, que apenas ouvira comentários sobre a suposta transferência para a Europa na janela de agosto, não, não havia proposta alguma, apenas meros boatos. Também sem demonstrar empáfia, apenas a confiança de quem sabe o quanto é decisivo, imprescindível, insuperável naquele momento em que o país já está mergulhado no clima, anseia por mais uma glória internacional, devolve a pergunta, sorridente, antes de arrematar: “Se acredito que estarei na lista amanhã? Sim, conto com a minha convocação! E podem escrever e gravar: o caneco voltará ser nosso!”.

domingo, 3 de março de 2013

Barulho d'água (Não é fraca, não! E jamais perde a ternura...)

Não é fraca, não! E jamais perde a ternura...
 
Ainda existe quem joga contra, faz catimba para impedir que elas evoluam, arma a tabela apenas pelas costas.
Desleal, entra de sola, de carrinho, na maldade mesmo, bate acima da medalhinha. ...
Ou na manha, para o juiz não ver.
Mas a mulher atual não é fraca não, e não tem medo de divididas, mano. Almeja vencer e está vestindo a cada dia mais a camisa da luta pelo reconhecimento de suas capacidades. E assim, vai erguendo bem alto a bandeira pelo fim de todas as maneiras de perseguição e de preconceito, vem batendo um bolão no campo da igualdade de direitos, obtendo vitórias não só pelas causas delas. E sem nunca abrir mão da ternura, embora precise de vez em quando mostrar que tem unhas não apenas para esmaltá-las.
Desimpedida, desinibida, destemida, marca golaços dignos de placa!
Neste 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, mais do que nunca, merece ter o nome gritado por todas as torcidas -- inclusive as adversárias -- por ser mãe, esposa, amiga, irmã, filha, profissional, não raro para além do tempo normal, dos descontos e da prorrogação, sem reivindicar por dar todo este sangue bichos mais polpudos, sem fazer concessões ao marketing pessoal.
Por esta mulher sejam estendidas faixas de homenagens em todas as arquibancadas. Já para os que ainda acham que o lugar dela é atrás do tanque, do fogão, vendo novela quietinha, sempre fazendo tudo como reza a cartilha, ou que ela deva satisfazer as fantasias dos se que julgam donos do seu passe e, sem consideração alguma, a qualquer tempo resolve chutá-la para escanteio... vamos exibir cartão vermelho!

Três ou mais linhas de prosa... e de poesia


O velho lago
mergulha a rã--
barulho d´água.

Este blog, cujo nome deriva do haicai de Matsuo Bashô, tem por objetivo a divulgação de crônicas e outros gêneros literários de minha autoria -- consulte também
http://www.poesiafeitaemcasa.blogspot.com e http://www.karumi.nafoto.net, outros trabalhos que assino. A cópia e reprodução dos elementos aqui contidos sem a devida autorização, por escrito, e sem estarem negociados direitos autorais e outras questões comerciais, sujeitarão o infrator a entendimentos com a lei.

Marcelino Lima



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