A última noite de Aninha (do
original Aninha está a fim)
Aninha cortou refrigerante,
massas, carne vermelha e o que mais ama: chocolate. Combinou com a
nutricionista perder quatro quilos, enxugou seis. Não que estivesse gorda, ou
acima do peso: queria apenas ficar mais atraente. Na academia, realçou algumas
formas, três aulas por semana. Aos finais de
semana, cumpriu o mesmo ritual: pedalar duas horas, tanto aos sábados, quanto
aos domingos. E, de quebra, nos feriados.
Aninha mudou todo o guarda-roupa,
gastou pelos shoppings mais badalados, passou a frequentar salão refinado, refez-se
da cabeça aos pés. Aulas de Inglês, de
Espanhol, de Português, de etiqueta, de postura, de como caminhar com elegância
e sorrir fatal, um enólogo particular. Decorou endereço de restaurantes vips, traçou
roteiros de viagens por lugares de tirar o fôlego e ao alcance de poucos. Agora
está ficando escolada em poesias -- até já arrisca uns versos, com rigor
métrico, mas também oswaldianos, planeja até um livro --, e mergulhou nos
clássicos. Amou as personagens de Almodóvar, considera Antonioni o melhor de
todas as gerações da sétima arte, achou muito cabeça Truffaut. E concluiu que
prefere a versão escrita de Comer, Amar e Rezar...
Aninha sabe que a lista de
concorrentes dela é extensa, mas atualmente está apostando muito em si própria.
Aprendeu com tudo o que tem experimentado e feito a também polir a autoestima,
sem contar que o baralho e os demais sortilégios têm sido favoráveis e
recomendaram ir em frente sem medo. Para ajudar ganhou ainda mais confiança após
girar entre Paraty, Cabo Frio e Búzios e por onde deixou pegadas na areia
receber e desfrutar elogios, convites, propostas, cantadas, telefonemas,
mensagens, flores, descontos, presentes, músicas, brindes em taças finas, jantares,
passeios de iate e muito mais. Entusiasmou-se, demonstrou simpatia,
cordialidade e até afeto com os rapazes e os cavalheiros, alem de uma atrevida
salva-vidas. Entretanto, em todas as ocasiões manteve-se sóbria, guardou-se
para o que espera será um grand finale.
Aninha não se arrependeu de ter segurado
a onda: o que está em jogo e almeja justificará quando alcançado tantos sacrifícios
e renúncias, os investimentos não serão em vão. Já à véspera de retornar da
viagem de férias ao litoral fluminense soube pelo telefonema de uma amiga que Leandro
está sem par na dança, voltou para a pista, enfim encerrou com Alessandra o
casamento que já vinha dando sinais de fracasso incontornável. A hora da cartada decisiva ficou, portanto,
bem próxima. Ainda no hotel, olhou-se no espelho, demoradamente. Neste ritual,
passou as pontas dos dedos nos cabelos, simulou que os prenderia em coque, a língua
roçando instintivamente os lábios apalpou os seios. Alisou a barriga, empinou o
bumbum, mediu as coxas e conferiu a silhueta, observando-se de perfil, tanto à
direita, quanto à esquerda. Sorriu. Então cerrou os olhos, e pausadamente respirou
até se sentir leve e adormecendo, curtindo a cada expiração a própria imagem
que há pouco foi esmaecendo na escuridão até reabri-los para a luz. Por fim,
atirou-se à cama. Agarrada ao travesseiro dormiu sem sobressaltos a última
noite antes de trazer a tona a Ana Luísa de Almeida Tavares que havia se encolhido em seu interior,
que por tantos anos e sem motivos ela mesma sabotara...