terça-feira, 19 de março de 2013

Barulho d'água (Pequena crônica que morre ao pôr do sol)

Pequena crônica que morre ao pôr do sol

Bêbado, o par de chinelos acabou se perdendo do dono. Quando estiveram juntos pela última vez, Adilson roncava  em decúbito ventral e de boca na areia, ao lado do quiosque do Jamil, depois de entoar loas à lua cheia que prateava as ondas e a praia desde o recorte da serra. Antes de apagar, pranteou amor não correspondido por Andreia -- mulata ingrata que preferiu  dar área do povoado arrastando asas pelo pescador Juvenal, mais moço, bem mais rico. A partir de então, direito e esquerdo se separaram à procura do desiludido. Já conferiram toda a trilha dos bares, dos botecos e das biroscas nos quais bebiam toda santa noite, via sacra solidária ao rapaz enquanto este afogava as mágoas. Consultaram conchas que subiram com as marés, peixes que ainda se debatiam nas redes há pouco retiradas do mar, vasculharam atrás de cada pedra. Nada. Levaram o caso ao distrito. Fizeram abrir gavetas e cumpriram formalidades de praxe no IML da sede da comarca. Afixaram cartazes nas redondezas, em pousadas, em igrejas, na rodoviária. Dispararam alertas nas redes sociais. Filaram anúncio na Gazeta Litorânea. Falaram ao vivo na Rádio Iemanjá. Tudo em vão, não obtiveram sinal algum do desaparecido. Fatigados ao fim de uma semana, hoje decidiram manter as buscas somente até o pôr do sol. Ao escurecer de logo mais, caso não o tenham encontrado, vão enfim calçar outros pés de cana...

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Três ou mais linhas de prosa... e de poesia


O velho lago
mergulha a rã--
barulho d´água.

Este blog, cujo nome deriva do haicai de Matsuo Bashô, tem por objetivo a divulgação de crônicas e outros gêneros literários de minha autoria -- consulte também
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Marcelino Lima



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