Pequena crônica que morre
ao pôr do sol
Bêbado, o par de chinelos acabou se
perdendo do dono. Quando estiveram juntos pela última vez, Adilson roncava em decúbito ventral e de boca na areia, ao lado do quiosque do Jamil,
depois de entoar loas à lua cheia que prateava as ondas e a praia desde o recorte
da serra. Antes de apagar, pranteou amor não correspondido por Andreia -- mulata
ingrata que preferiu dar área do povoado arrastando asas pelo pescador Juvenal, mais moço, bem mais rico. A partir de então, direito e esquerdo se
separaram à procura do desiludido. Já conferiram toda a trilha dos bares, dos botecos
e das biroscas nos quais bebiam toda santa noite, via sacra solidária ao rapaz enquanto
este afogava as mágoas. Consultaram conchas que subiram com as marés, peixes
que ainda se debatiam nas redes há pouco retiradas do mar, vasculharam atrás de
cada pedra. Nada. Levaram o caso ao distrito. Fizeram abrir gavetas e cumpriram
formalidades de praxe no IML da sede da comarca. Afixaram cartazes nas
redondezas, em pousadas, em igrejas, na rodoviária. Dispararam alertas nas redes sociais. Filaram anúncio
na Gazeta Litorânea. Falaram ao vivo na Rádio Iemanjá. Tudo em vão, não obtiveram sinal algum do
desaparecido. Fatigados ao fim de uma semana, hoje decidiram manter as buscas somente
até o pôr do sol. Ao escurecer de logo mais, caso não o tenham encontrado, vão enfim
calçar outros pés de cana...
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