segunda-feira, 4 de março de 2013

Convicção (Barulho d'água)

Convicção

A cabeçada saiu como manda o figurino, de acordo com a cartilha do bom 9. Havia antevido aonde a bola chegaria, e, sem que o marcador percebe-se, disparou feito flecha, subiu com estilo. A ficha do arqueiro, estático, só caiu quando o estrondo grito ecoou das arquibancadas. Sempre concluía jogadas como aquelas com maestria, infalível. Ainda mais quando o centro provinha do pé de Nei Teixeira, o maior companheiro do atual time; não precisavam de nenhum sinal a mais do que uma troca de olhares que, combinados treino após treino, já sabiam de cor o que diziam. Depois, justiça seja feita: perto do alambrado pedia ao amigo a chuteira sobre o joelho direito, engraxava-a, gesto de reconhecimento, de humildade do rei devotado àquele que o assistia e o ajudava a alimentar a majestade, a fama, a súbita riqueza. Com mais aquele na conta, o terceiro no tradicional clássico, isolava-se ainda mais na artilharia da temporada: ninguém avistava no retrovisor há sete rodadas, a vantagem crescia domingo após domingo um, dois, três, quatro, agora, oito.
Ao fim da porfia, a gentil troca de camisas com o joão que em vão tentou contê-lo. Respeito a o adversário derrotado, aperto de mão, abraço cordial, votos de boa sorte em outra ocasião. Torcida em festa, de todos os setores do estádio o nome dele saia de milhares de bocas, em uníssono, mantra entoado pela totalidade dos fãs. Um bloco de repórteres à entrada do túnel, ávidos, câmeras, microfones, holofotes. (O craque soubera antes de a bela rolar: o técnico encarregado de convocar o grupo da seleção para a Copa do Mundo, na manhã seguinte, estava presente nas tribunas.) Chega até os jornalistas, respira, limpa mais uma vez o suor que escorria da testa. Sem pressa, simpático, vai explicando enquanto caminha rumo ao vestiário que a vitória é do grupo, todos seguiram as orientações do treinador, focaram no jogo, que prefere ser campeão a ganhar a “Bola de Ouro”, que apenas ouvira comentários sobre a suposta transferência para a Europa na janela de agosto, não, não havia proposta alguma, apenas meros boatos. Também sem demonstrar empáfia, apenas a confiança de quem sabe o quanto é decisivo, imprescindível, insuperável naquele momento em que o país já está mergulhado no clima, anseia por mais uma glória internacional, devolve a pergunta, sorridente, antes de arrematar: “Se acredito que estarei na lista amanhã? Sim, conto com a minha convocação! E podem escrever e gravar: o caneco voltará ser nosso!”.

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O velho lago
mergulha a rã--
barulho d´água.

Este blog, cujo nome deriva do haicai de Matsuo Bashô, tem por objetivo a divulgação de crônicas e outros gêneros literários de minha autoria -- consulte também
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Marcelino Lima



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