domingo, 14 de abril de 2013

Barulho d'água (Descoberta)



Descoberta
 
Observo o peixe em incansável singrado, centenas de vezes, do fundo à tona da linha de superfície do aquário, sempre tão fluído e tão plácido quanto à água com a qual convive. Vez por outra ele estaciona e um ponto ao acaso, e, junto ao vidro, dando uma pausa no vaivém, também me manja. Até que, passados alguns instantes desta troca de olhares, percebo empatia mútua, em suas pupilas há um quê qualquer que faz dele mais do que um bicho -- um delicado ser que, voltando segundos antes desta descoberta, sequer era de estimação, apenas ocupava há meses e quase despercebido um pote em um canto da sala.
Intrigo-me, não sei ao certo e me pergunto a fundo, embora eu já desconfie: qual seria este sentimento?
Aceito esta impressão e considero-a como válida. Apago o cigarro, a luz, vou me deitar: a noite desta terça-feira de maio açoita as venezianas com seu vento frio. O peixe de brilhantes escamas azuis com tons púrpura fica lá, em seu aquático mundo, insone, sereno. Rumo à cama acompanha-me forte sensação: sobre a cantoneira da sala, vivendo feliz, há um velho-novo amigo dentro do recipiente que removerei, cuidadosamente, para o centro da mesa, ao qual, a partir de amanhã, terei de passar a desejar bom-dia...
 

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Três ou mais linhas de prosa... e de poesia


O velho lago
mergulha a rã--
barulho d´água.

Este blog, cujo nome deriva do haicai de Matsuo Bashô, tem por objetivo a divulgação de crônicas e outros gêneros literários de minha autoria -- consulte também
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Marcelino Lima



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