quarta-feira, 13 de março de 2013

Barulho d'água (Missa de um ano)

Missa de um ano

Parem as quatro com esta briga, já se passou um ano! Hoje nada de ‘barraco’ como aquele que armaram em meu velório, por favor, preservem minha imagem e minha boa índole, notem a igreja, tem repórter sensacionalista até na sacristia! Não cometi suicídio porque a dor de cotovelo de vocês extrapolou o limite saudável, mas todas cansavam minha beleza com atitudes semelhantes a esta, desequilibradas e infantis! Na verdade eu precisava muito de sossego, sim! De andar pelas ruas sem ser seguido por paparazzi, sem ter meu rosto estampado nas capas das revistas de fofocas como se fosse canalha, sem mencionar que teria acabado batendo as botas de tanto tomar bordoadas dos cornos que fazia. E não me arrependo do meu ato extremo, oh não, tenham certeza. Depois de ter atravessado a ponte que pôs me barba a barba com São Pedro, submeti-me aos ajustes de praxe antes de ser admitido no céu, e atualmente, passeio quase incógnito em meio à multidão trajada de branco. Todo dia é de paz! Refresco meus pés em suaves e límpidos riachos, levitando ao som de música clássica. Colho frutas deliciosas e à vontade se a fome aperta, o sol está sempre de plantão, há no horizonte morros verdejantes e flores de vários tons ao alcance do toque, o firmamento nunca perde o azulíssimo brilho. 
Bom, mas o assunto a ser tratado com todas é outro. Estou aqui para informa-las que meu charme continua em alta, não morreu comigo. Já nas primeiras horas como neófito naquele imenso e sereno jardim conheci uma cabrocha de parar o trânsito – uso a frase por mera força de expressão, é claro, pois por lá carro ninguém tem, andamos sem estresse pelas alamedas e parques; quando queremos variar podemos curtir passeios de bicicleta, ou cavalgar elegantes cavalos, todos irrepreensivelmente alvos! Portanto, gurias, como se a minha passagem já não bastasse, não há mais porque ainda manterem-se fiéis a mim! Arranjem sem demora outro namorado, ou marido novo, afinal a vida (de vocês!) continua. Olha, minha nova companheira é uma das mais bonitas em todo o Éden; outras até me pretendem, e eu, embora não seja mais de carne e osso, admito flertes com algumas, mas juro pela minha alma, apenas discretos, sem envolvimentos! Minha musa é mais velha que eu mais de três séculos, porém o tempo no Paraíso flui de modo particular, não se mede pelo calendário tradicional. Lá não rolam os julgamentos corriqueiros e calcados na moral vigente da sociedade dos mortais. Assim, sem precisar disfarçar ou nos esconder, exceto nos momentos de intimidade, curtimos nosso romance, literalmente, nas nuvens! Vocês estão assim espantadas, mas seguindo-me atentamente, correto? Precisarei frisar que devem me esquecer, pois já tenho outra com quem pretendo passar a eternidade? E, o que é melhor: sem precisar ouvir de e repetir a quem quer que seja aquela frase manjada e mais desrespeitada que o eleitor brasileiro “até que a morte os separe”?

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Três ou mais linhas de prosa... e de poesia


O velho lago
mergulha a rã--
barulho d´água.

Este blog, cujo nome deriva do haicai de Matsuo Bashô, tem por objetivo a divulgação de crônicas e outros gêneros literários de minha autoria -- consulte também
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Marcelino Lima



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