Crônica dos desacertos de um grande amor
Eu assobio o refrão “bola de meia, bola de gude”, ela reclama: quer ouvir a música e exige silêncio. Eu acelero e tento uma ultrapassagem, ela resmunga e fala: se quer morrer, traste, morra sozinho! Para que ela não perceba, arrisco de canto de olho dar uma espiadinha na gostosa que invade meu campo visual, lá, na calçada oposta. Ela, arisca, ui, belisca-me e, agitando os braços, imita o bater de asas de uma galinha. Ato contínuo, luz do farol no vermelho, eu tento uma carícia, busco beijá-la. Ela refuga, e alega: minha mão pesa e minha barba espeta, arrê!
Já em casa, ligo o chuveiro depois da novela das oito (que eu odeio, todas, mas acompanho por razões sociológicas), convido-a para um banho. Ela avisa: quer descansar “só um pouquinho” antes, e pega no sono. Então, após passar pomada no músculo do braço direito (é por causa do beliscão, viu?), busco consolo no futebol. Ai parece mágico: sempre na hora do gol ela acorda, e pede, choramingando, que eu coce as costas dela, emenda queixando-se de que estaria frio e cobra que eu a abrace (...)
Pequenos desacertos de um grande amor, feito como todos de algumas contradições e sutilezas, além da observação de cuidados cotidianos como não deixar copos sujos na pia, ou a bituca que fede no cinzeiro, ou os jornais espalhados pela sala, ou a toalha molhada no tapete do quarto -- pecadilhos que, saibam, eu jamais cometo. Ou...
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