sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Barulho d´água (No tempo dos quintais)

No tempo dos quintais

Brinquedo era sabugo. Ou toco. Assustador era morcego no abacateiro e, perigoso, cair no poço. Dependendo do bairro, ser picado por cobra. Longe era ir de bicicleta. De ônibus, ave-maria! Inocência era colocar passarim morto na forquilha mais alta do pessegueiro: Deus sempre vinha buscá-lo. Ou comer a “gelatina” da mesma árvore, depois da chuva, para jamais ficar velho. Autoridade era o pai. E que festa quando ele nos levava à feira ou ao armazém! Felicidade era chupar uma laranja, ainda sentado na barraca. Tomar uma Grapette ("Quem bebe, repete!"), geladinha, só tua. Ou voltar para casa com os bolsos cheios de bala Paulistinha, Juquinha ou "sonrisal" ! Medo só se sentia quando São Pedro resolvia lavar o céu e arrastava móveis, provocando curtos-circuitos do diabo, oh, Santa Bárbara e São Jerônimo, valei-nos os terços e os ramos bentos! Ou quando os mais velhos liam à luz de lamparinas ou de lampiões histórias de assombração de gelar a barriga. E por falar em coisas do além, morrer era apenas virar uma estrela, ter a mesma sorte de nossos avós. E viver um tempo sem relógios. Sem muros. Com toda a liberdade e extensão possível dos quintais. Apesar dos poços, os quintais eram o mundo. E com muitas vantagens, eles viviam coalhados de maria-pretinha, de amora, de gabiroba...

Um comentário:

Anônimo disse...

Alô, Marcelino!

Seus textos são comoventes. Espero que um dia eles cheguem a mais pessoas pelas páginas de um livro.

A sua escrita trata o chão... d'alma.

abraços

Paulo Netho

Três ou mais linhas de prosa... e de poesia


O velho lago
mergulha a rã--
barulho d´água.

Este blog, cujo nome deriva do haicai de Matsuo Bashô, tem por objetivo a divulgação de crônicas e outros gêneros literários de minha autoria -- consulte também
http://www.poesiafeitaemcasa.blogspot.com e http://www.karumi.nafoto.net, outros trabalhos que assino. A cópia e reprodução dos elementos aqui contidos sem a devida autorização, por escrito, e sem estarem negociados direitos autorais e outras questões comerciais, sujeitarão o infrator a entendimentos com a lei.

Marcelino Lima



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