domingo, 18 de novembro de 2007

Barulho d´água (Café amargo)




Café amargo
(Para Ubirajara Coutinho)
Tenho visto você por onde quer que eu ande, algumas vezes mais gordo, outras, mais baixo.
Um pouco mais cabeludo, mais moreno. Não, não são você, eu sei, mas têm seus trejeitos. Fumam ao seu modo. Os óculos são parecidos. Arrepio-me. Alegro-me. Por poucos segundos. Às primeiras visões, pensei, encanado, culpando-me, seriam uma forma de minha consciência me cobrar a visita que fiquei te devendo. Não a tardia que fiz, mas uma daquelas tantas para uma prosa sem pressa, para jogarmos conversa fora sobre cinema (ontem assisti àquele filme do John Ford, no qual o John Wayne e dois comparsas assaltam um banco e, ao fugirem pelo deserto, sem água, acabam fazendo um parto, enredo que o Ford associa ao nascimento de Cristo), sobre teatro, sobre o único sinônimo possível para futebol: Timão! Sobre poesia, sobre crônicas, sobre imprensa, sobre política, sobre mulheres (sobretudo, as alheias), sobre qualquer coisa. Conclui que tais aparições não são truques da mente. São provas de que um amigo jamais perece, se, um dia, o tivemos abrigado ao peito -- e não há morte capaz de despejá-lo de lá, tornar vago o lugar. É novembro. Engraçado: como tem feito frio! Há tantos jacarandás, sibipirunas, sabiás- do-campo. Ah, se você soubesse quem adotou uma poodle como "filha" -- isto não é uma puta viadagem, como você diria? Como deitar fora este café amargo por engolir, que, por mais que eu o sorva e adoce, teima em não descer, entalando na goela? Vele, valei por nós, Bira!





Ubirajara Coutinho, jornalista e um dos meus mais diletos amigos, deixou-nos en 16 de outubro de 2.002. Era dia do aniversário de meu pai, e eu, no momento do telefonena que comunicou a morte dele, caminhava, alinhavando uma crônica em minha cabeça para o seu Geraldo. Já esperava pela morte dele, mas a notícia travou-me, demoliu-me. No dia 27 de abril deste ano, 2007, chegou a hora do meu pai, lá se foi ele encontrar o meu camarada , dois corintianos, e sem que eu tenha conseguido pôr no papel aquela crônica...

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Três ou mais linhas de prosa... e de poesia


O velho lago
mergulha a rã--
barulho d´água.

Este blog, cujo nome deriva do haicai de Matsuo Bashô, tem por objetivo a divulgação de crônicas e outros gêneros literários de minha autoria -- consulte também
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Marcelino Lima



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