Tocaia
O alto do morro, de frente para quem venha distraído pela estrada, quem espera oculto pela pedra. Distância, ponto, ângulo: ideais para a tocaia. Rifle e mira que tanto já enviuvaram, geraram órfãos, justiciaram, eliminaram quem seria mal para alguém, selaram encomendas, sempre só um tiro. O dedo que aperta o gatilho tem uma filosofia: ninguém que fiz tombar era inocente. Logo quem vem lá, agora, é apenas mais um na longa lista. Ah, amigo, azar teu. Vive-se disso, paga-se bem, a desavença não conta: é tome bala, da cá.
Perto da hora presumida, um trotar. Ainda a meio caminho – o alcance da visão dele, dali, é privilegiado --, a poeira subindo. Ah, bom cavalo, cavalgue sem medo, dentro em breve teu lombo estará sem peso algum além do da sela. Consulta ao relógio. Sim, a bola da vez está dentro do horário, desenrola-se a trama como o previsto. Mas até chegar ao instante em que um chapéu voará assanhando os abutres, tempo para fumar. Ritual de praxe: um trago bem dado, depois, cálculos: dois, três, sucessivamente. O último, invariavelmente, coincide com o clique, corpo e ponta de cigarro se finam e tombam juntos ao chão.
A palha já terminando de queimar e o alvo? Passos na retaguarda, vira-se assustado, é tarde demais: de que adiantam boas espingarda e pontaria quando não se consegue pressentir um perigo a quilômetros?
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