Tatuagens
O maior orgulho de dona Clotilde, tudo em cima, os seios, ainda durinhos, róseos, aos 69 anos. Há tempos planejava tatuar num deles, talvez no esquerdo, que considerava o mais atraente, uma águia em vôo, para desespero de “seo” Argentim. Vem tirando o sono do velho com a idéia surgida na academia -- uma colega da hidro, durante a nudez do banho, dera a sugestão. O professor, rapagão bronzeado, cujos olhos já sentira pousar diversas vezes nos Urais, o que diria? Para ensaiar, tatuou rosa quatro dedos acima do joelho direito. O companheiro, 45 anos de casamento, estrilou, ameaçou separação, até porrada. Perdera a compostura depois de idosa? Desesperado de tanto ouvir gracejos e piadinhas -- os amigos dos jogos, maldosos, jocosos -- seu Argentim, um dia, acabou dando na cara do Miguel, crápula e desdentado que não se percebe já broxa. O moço-professor ao contrário, fiu-fiu, elogios galanteadores, enquanto as outras senhoras, igualmente sexagenárias, mas oquéqui isto tem demais? Empolgada, sentia-se sexy, rejuvenescida, reacendera algo que julgava extinto, o broto que tantos suspiros e loucuras provocara nos tempos idos. Aumentou o número de aulas, encurtou roupas, uns vestidinhos, decotes, rendas. As netas, as filhas, nem sim, nem não, e os que censuravam não chegavam a aborrecer. A idéia da águia subia cada vez mais. Sim, sentia necessidade de vôos mais altos, porque motivo deveria manter prisioneira, comportada no desgastado papel de esposa toda aquela formosura? O professor, agora, não mais começava aula sem ela, pedia sempre para que ficasse na primeira fila, ah, se você pudesse ouvir os risinhos. E os olhares dos tios que também caiam n´água, e os comentários no vestiário masculino? Concluiu: estava na hora de voltar à oficina de tatuagens. Golpe duro de agüentar, o companheiro bateu asas antes. Ao lado do caixão, já pela hora do enterro, viu aproximando-se para os meus pêsames o desenhista da flor. Durante o solene abraço que recebia, cochichou sem cerimônias na orelha dele: depois do luto, basta me dizer a hora, vou lá. A águia quero pouco acima do bico esquerdo, e, agora, também uma labareda. Numa das coxas, perto da virilha, viu?
O maior orgulho de dona Clotilde, tudo em cima, os seios, ainda durinhos, róseos, aos 69 anos. Há tempos planejava tatuar num deles, talvez no esquerdo, que considerava o mais atraente, uma águia em vôo, para desespero de “seo” Argentim. Vem tirando o sono do velho com a idéia surgida na academia -- uma colega da hidro, durante a nudez do banho, dera a sugestão. O professor, rapagão bronzeado, cujos olhos já sentira pousar diversas vezes nos Urais, o que diria? Para ensaiar, tatuou rosa quatro dedos acima do joelho direito. O companheiro, 45 anos de casamento, estrilou, ameaçou separação, até porrada. Perdera a compostura depois de idosa? Desesperado de tanto ouvir gracejos e piadinhas -- os amigos dos jogos, maldosos, jocosos -- seu Argentim, um dia, acabou dando na cara do Miguel, crápula e desdentado que não se percebe já broxa. O moço-professor ao contrário, fiu-fiu, elogios galanteadores, enquanto as outras senhoras, igualmente sexagenárias, mas oquéqui isto tem demais? Empolgada, sentia-se sexy, rejuvenescida, reacendera algo que julgava extinto, o broto que tantos suspiros e loucuras provocara nos tempos idos. Aumentou o número de aulas, encurtou roupas, uns vestidinhos, decotes, rendas. As netas, as filhas, nem sim, nem não, e os que censuravam não chegavam a aborrecer. A idéia da águia subia cada vez mais. Sim, sentia necessidade de vôos mais altos, porque motivo deveria manter prisioneira, comportada no desgastado papel de esposa toda aquela formosura? O professor, agora, não mais começava aula sem ela, pedia sempre para que ficasse na primeira fila, ah, se você pudesse ouvir os risinhos. E os olhares dos tios que também caiam n´água, e os comentários no vestiário masculino? Concluiu: estava na hora de voltar à oficina de tatuagens. Golpe duro de agüentar, o companheiro bateu asas antes. Ao lado do caixão, já pela hora do enterro, viu aproximando-se para os meus pêsames o desenhista da flor. Durante o solene abraço que recebia, cochichou sem cerimônias na orelha dele: depois do luto, basta me dizer a hora, vou lá. A águia quero pouco acima do bico esquerdo, e, agora, também uma labareda. Numa das coxas, perto da virilha, viu?
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