quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Barulho d´água (Bankô)




BankôGato quando é bem criado não é, necessariamente, do tipo robusto. Pode até ser magrinho. Bankô, por exemplo, se bobear, acaba carregado pelo vento, feito pipa taiada. Sensível, tem incrível capacidade de ir direto ao ponto, escolher apenas o que é bom. Fã de Adoniran, adora Trem das Onze. Rock também mexe com ele, sobretudo se for Rita Lee ou Pink Floyd. Bichano eclético. Num canto da estante, deixado vazio de propósito, costuma tirar longas pestanas. Dia destes, cismou com um catatau azul de letras douradas. Atendi-o. Há tempos planejava reler Ana Karenina. Por cima dos meus ombros, página por página, ouviu tudo atentamente até o final. Como não soltou nenhum bocejo antes e quando fechei o livro, concluo ter amado a obra prima de Tolstoi tanto quanto curtira O Carteiro e o Poeta. Lógico, felino assim, dado a tantos refinos, ignora ratos, baratas, moscas. Sem essa de cadeia alimentar, lei do mais forte. Mas vira bicho quando assiste derrota do Timão, afinal, é fiel às cores da pelagem. Sai de casa rutilando os olhos, emitindo miados que mais parecem gritos de guerra. Volta dois ou três dias depois, estropiado, às vezes arrastando-se, mas invariavelmente vingado, expressando nos bigodes a alegria de quem acabou de destilar o mau humor descontando a zebra no couro do bichano de algum vizinho palmeirense ou sampaulino. Nestas horas também prova o quanto é danado, porque atrai para o telhado tantas fêmeas ronronando apaixonadas. Fingindo que não me vê, vai direto às pernas de minha mulher, esfrega-se nelas, e, então, cai, fazendo-se de morto. É batata! Içado ao colo sempre macio e perfumado, aninha-se o melhor que pode, sempre com a cabeça levemente pendendo para a fenda dos seios. Antes de apagar, olha-me malicioso, dá um suspiro. Entendo o recado, pisco com o esquerdo. Ele quer apenas se refazer da batalha, recuperar a agilidade. De noite irá ao encontro de uma das namoradas. A cama será toda nossa e nem precisaremos fechar a porta do quarto...
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PS: Bankô, gato que inspirou esta crônica, foi dar um bordejo em certa madrugada e contrariando o que sempre fazia, não mais voltou. Dizem que seria ele o gato atropelado a poucos metros de minha casa, mas dúvido: o bichano era hábil em driblar veículos. Deve mesmo é ter descolado uma gata daquelas e ... área!

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Três ou mais linhas de prosa... e de poesia


O velho lago
mergulha a rã--
barulho d´água.

Este blog, cujo nome deriva do haicai de Matsuo Bashô, tem por objetivo a divulgação de crônicas e outros gêneros literários de minha autoria -- consulte também
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Marcelino Lima



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