quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Barulho d´água (Perfume de mulher)


Perfume de mulher

O sol já fazia arder a cara quando o celular tocou, interrompendo o cochilo no banco da praça. Bem no horário. Do outro lado da linha, recado curto e grosso, seguir em frente por quatro quadras, dobrar a esquerda, onde encontraria uma banca de jornal. Dali, outra caminhada até encontrar um ipê florindo numa esquina. Naquela rua, à direita, cem metros adiante, um imóvel todo murado, um portão vermelho. Três batidas, conforme o combinado, abririam a portinhola. Através dela, a mão entregaria um envelope. Nenhum comentário, lance rápido. Pego o envelope, a portinhola blang, seco. Depois, seria com ele. Seguindo as instruções, chegou à banca. De canto de olho manchete sobre a vitória canarinho, Playboy com nova coelhinha, bateu saudades de Érika, onde andaria a lolita? Reparou no caminho: nenhum bom-dia, gente esquisita, nem ai com caras novas, teriam percebido que era forasteiro? O sorriso meio forçado do candidato a prefeito nos postes. Um gato mirrento, filhote ainda, cola nele por alguns metros, miarento, querendo assunto e colo. Não deu pelota. Melhor a discrição, o anonimato, chamar a atenção pelo impulso de acariciar um bichano poderia ser já era. O ipê estourava de amarelo, encantador, apesar de ainda faltar um mês para a primavera. Toc, toc, toc. Silêncio uns instantes. Abriu-se, enfim, o postigo. Como o acertado, nada de contato. Viu sequer a cor das unhas de quem entregou o envelope antes de a portinhola ser batida no nariz dele. Agora, agir... Digitado em Times New Roman, corpo 12, em detalhes, como deveria proceder. Feito o serviço, se feito exatamente como o descrito. não haveria erro, então, sem nenhum questionamento quanto a modos ou porquês, retorno imediato para a praça, esperaria por lá, atento, a passagem de uma motocicleta destoantemente indiscreta, pois amarela tal qual o ipê. O motoqueiro deixaria cair um segundo envelope.
Já com ele na mão, apalpou-o, percebendo pelo volume: nem precisaria conferir o conteúdo. Viu ainda a moto dobrar lá adiante. Misturado ao cheiro da máquina, um perfume recendendo no ar. Delicada fragrância, aroma que teve a nítida impressão: já sentira antes. O piloto deveria ser uma bela moça, poderia ser até quem estava pensando....

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Três ou mais linhas de prosa... e de poesia


O velho lago
mergulha a rã--
barulho d´água.

Este blog, cujo nome deriva do haicai de Matsuo Bashô, tem por objetivo a divulgação de crônicas e outros gêneros literários de minha autoria -- consulte também
http://www.poesiafeitaemcasa.blogspot.com e http://www.karumi.nafoto.net, outros trabalhos que assino. A cópia e reprodução dos elementos aqui contidos sem a devida autorização, por escrito, e sem estarem negociados direitos autorais e outras questões comerciais, sujeitarão o infrator a entendimentos com a lei.

Marcelino Lima



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